Olha que coisa mais linda: a gastronomia renova Ipanema
Nos últimos meses, variados restaurantes abriram as portas na região, trazendo vida nova ao bairro de histórica influência cultural no Rio
Ao desembarcar na Rua Maria Quitéria com a sua premiada pizzaria Ferro e Farinha, no mês de julho, o nova-iorquino Sei Shiroma postou nas redes um vídeo em que tocava ao piano uma versão própria de Garota de Ipanema, adaptada ao universo da gastronomia. Pois, se a musa tão cheia de graça da canção que apresentou o bairro ao mundo, nos anos de 1960, resolvesse bater perna para conhecer as novidades de comes e bebes daqueles agitados quarteirões, provavelmente ficaria admirada com a efervescente paisagem de hoje. O que se vê é uma profusão de novos cardápios, como o do Nino Cucina, o fenômeno paulistano do chef italiano Rodolfo de Santis que fincou no caminho do mar (ali na Rua Barão da Torre) sua primeira filial, um investimento de cerca de 4 milhões de reais. O clássico de Tom e Vinícius não por acaso embala os sonhos do cozinheiro desde a época em que trabalhou no venerado Le Cinq, do Hotel Four Seasons, em Paris. “A música de Ipanema me inspirava lá atrás. E o bairro volta a seus melhores dias, sintetizando a leveza e a alegria do Rio”, afirma Rodolfo, que abrirá até dezembro, no imóvel ao lado, o Da Marino, de frutos do mar.
O restaurante que atravessou a ponte aérea é o sexto de culinária sofisticada e ambiente festivo inaugurado no bairro nos últimos meses. Eles ocupam espaços fechados na pandemia e, de portas bem abertas agora, são lançadores de tendências saborosas que, não faz muito tempo, estavam mais concentradas no vizinho Leblon. “Todos olhavam para a Rua Dias Ferreira, mas sabíamos que a vocação de Ipanema estava viva, e a situação se inverteu: o Leblon ficou mais boêmio e Ipanema, mais gastronômica”, avalia o empresário Leonardo Rezende, do grupo 14zero3, dono de cinco concorridas casas espalhadas por três quarteirões. Ele anuncia para o fim do ano a sexta empreitada, um italiano que promete uma visita cheia de surpresas e será o maior aporte financeiro dos sócios. A última cartada da turma, dona de pontos como o Spicy Fish e o Posì, foi o recém-aberto Bisou Bisou, de clássicos franceses revisitados num cenário de neons sobre espelhos, louças vintage e trilha sonora da década de 80 em alto e bom som — um conjunto com o objetivo de promover uma experiência completa, atiçando os cinco sentidos.
Desde os tempos em que era promoter da Baronetti, boate que sacudiu a noite carioca no início dos anos 2000, Leonardo assiste às transformações ipanemenses. Em 2016, converteu seu Botequim Informal na Pici Trattoria, mesmo em tempos de obras pré-olímpicas, que dificultavam os negócios no bairro, e assim começou a contribuir para o atual tilintar de garfos e facas. Em um momento no qual o setor gastronômico comemora a recuperação de metade dos empregos perdidos durante o esticado período de confinamento, Ipanema renasce a todo o vapor, segundo dados do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio). A área de cerca de 1,6 quilômetro quadrado, que tem início onde Tom Jobim, homenageado em clicadíssima estátua, caminha com seu violão à beira-mar, próximo ao Arpoador, e termina na divisa do Jardim de Alah, entre mar e lagoa, tornou-se um parque de diversões para o paladar. De um ano para cá, surgiram mais de dez estabelecimentos já habituados às filas na porta, ainda que os preços girem em torno de 130 reais por um prato, mais sobremesa, água mineral e serviço. Para quem quer vinho, a conta sobe.
Com roupagem despojada, a culinária italiana sai na frente, seguida de franceses e espanhóis. A cena empolgante à mesa acompanha uma valorização mais geral do bairro. Levantamento recente divulgado pela plataforma imobiliária Quinto Andar mostra que Ipanema ultrapassou o Leblon no preço do metro quadrado, hoje o mais caro do Rio, com média de 54,86 reais para locação — a média carioca é de 31,56 reais. Uma escalada que, entre outros fatores, se deve ao bochicho dos bons restaurantes que brotam no pedaço, como afirma o corretor Claudio André de Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis. Segundo ele, em 2021 Ipanema respondia por 37% das vendas na filial da empresa; em 2022, passou a representar 52% delas. “Os clientes citam nominalmente os restaurantes do bairro como mola de atração”, afirma o corretor, que anda curioso para explorar um novíssimo espanhol. O tal ibérico é o Izär, onde o chef madrilenho Pepe López prepara paellas na frente dos clientes, obra do Grupo Tremä, proprietário ainda do premiado vizinho Mäska. “Vivemos um ciclo virtuoso numa área com vocação para a diversão e os encontros”, observa Gustavo Gill, sócio das duas casas. “Os consumidores se sofisticaram, puxaram a régua para cima, e vemos no horizonte demanda para mais restaurantes.”
No fim de agosto, um projeto de lei municipal instituiu o Baixo Ipanema, abrangendo cerca de trinta restaurantes nos arredores da Praça General Osório, que passou por processo recente de revitalização, e estendendo-se até a Praça Nossa Senhora da Paz. O texto prevê mais vagas para estacionamento e ocupação das calçadas pelos restaurantes, além de eventos movidos a muita comida e cultura. Enquanto essas ruas fervilham, o Polo Mais Ipanema, de gastronomia, lançará com a Associação de Moradores e Amigos do Bairro (Amai) um bem fornido guia virtual de serviços via WhatsApp, incluindo delivery dos estabelecimentos da região. “Vivemos uma transição que mudará a cara de Ipanema, com a gastronomia retornando com intensidade e revitalizando áreas abandonadas”, comemora Carlos Monjardim, presidente da Amai.
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O movimento ao qual se refere Monjardim se vê refletido, por exemplo, no penúltimo quarteirão da Barão da Torre, próximo ao Jardim de Alah, área afastada e considerada até insegura para pedestres, onde a Babbo Osteria, do chef Elia Schramm, se instalou há dez meses para receber quase 10 000 clientes mensais, com animação de sobra na calçada, onde a espera por uma mesa avança por horas. Naquele trecho, concentram-se famílias e numerosos grupos, uma geração que faz lembrar em alguma medida a que frequentava as redondezas na profícua década de 80, quando a lendária boate Hippopotamus escreveu um inesquecível capítulo da noite carioca. Essa turma contrasta com a da boemia intelectual dos anos 60 e 70, época essa que teve a precursora Leila Diniz, de biquíni e grávida, escandalizando a camada conservadora da população em plena ditadura. Se é verdade, como definiu o escritor Ruy Castro, que a Ipanema do século XX “mudou o jeito de o brasileiro escrever, falar, vestir-se (ou despir-se) e, talvez, até de pensar”, as páginas atuais revelam, mais uma vez, um bairro vibrante e que não para de pulsar.