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A comida tá diferente: ‘carnes’ de vegetais ou laboratório ganham adeptos

Alimentos criados com alta tecnologia agitam o mercado das foodtechs e começam a invadir o prato de uma ala de cariocas

Por Pedro Landim
19 ago 2022, 06h00
Guiozas do Zazá (acima), frango da Future Meat e caftas do Sahur: para carnívoro nenhum reclamar -
Proteínas do futuro: 'carnes' feitas de plantas ou em laboratório atraem novos consumidores (Tais Barros; Selmy Yassuda;/Divulgação)
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A canção Morena Tropicana, de Alceu Valença, embalaria perfeitamente uma refeição no Zazá Bistrô, em Ipanema. Não só porque combina bem com a atmosfera praiana do local, mas por algo que tem tudo a ver com o menu: a tal “carne de caju” citada na canção se materializa no recheio dos concorridos guiozas em molho agridoce oriental. Não há um grama sequer de porco ou de vaca moída ali — é tudo vegetal. A textura e o sabor da “carne” são emulados à base das fibras da fruta. “É uma entrada que não agrada apenas ao paladar dos veganos”, garante a chef e dona Zazá Piereck. O cardápio também anda diferente em outros cantos da cidade. Na rede de pizzarias Vezpa, a boa e velha redonda de calabresa reserva uma surpresa: a linguiça é feita de grão-de-bico, soja e ervilha e o queijo da cobertura, elaborado com castanhas, a partir de enzimas que quebram moléculas e as fermentam como se fosse leite de vaca. É a mesma mussarela que acaba de estrear, derretidinha e fumegante, na tapioca do premiado Empório Jardim.

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O atual leque de possibilidades de proteínas que lembram carne mas não são — antes restrito às casas vegetarianas que serviam hambúrgueres à base de lentilhas e quinoa — é resultado de vasta pesquisa encabeçada com cada vez mais intensidade por startups de DNA carioca, que já se destacam no aquecido mercado mundial plant-based. Previstas para injetar na economia global mais de 160 bilhões de dólares até 2023, segundo levantamento da Bloomberg Intelligence, as foodtechs, que têm desenvolvido tecnologias capazes de revolucionar o setor alimentício, são impulsionadas pelas mudanças de hábitos à mesa de uma parcela da população, adepta do chamado flexitarianismo. A ideia é baixar o consumo de proteínas de origem animal, decisão ancorada em pilares como saúde e meio ambiente. Integrante dessa leva que não come mais carne como antes, a modelo Manoela Cavalcante, 30 anos, é fã de carteirinha das “caftas de carne” entregues pelo recém-chegado árabe Sahur, que contabiliza quase 200 pedidos por mês no delivery. “Reduzi a carne por uma questão de saúde e acabei descobrindo alternativas realmente saborosas que não deixam em nada a desejar às opções carnívoras”, avalia.

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A modelo compõe um grupo que já responde por 17% da população urbana em território nacional. “A turma que abraça o flexitarianismo vai muito além dos vegetarianos, englobando aqueles preocupados com o planeta”, explica o empresário Cello Camolese, dono da Casa Camolese e criador da Amazonika Mundi. Do Norte, ele traz ingredientes como feijão-manteiguinha e açaí que dão forma às carnes à base de fibras de caju normalmente descartadas pela indústria — evitando assim o desperdício de comida, outra forte bandeira destes tempos. Um exemplo de como isso pode resultar em criatividade e sabor? Vale conferir o “escondidinho de siriju”, um “siri” temperado com coco e dendê, sucesso de público na rede Hortifruti. Além de oferecer soluções para abastecer um mercado ávido por novidades, a multiplicação acelerada das foodtechs — são cerca de 300 no país, 85% concentradas no Sudeste — é bem-vinda diante da preocupante equação posta pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

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O biólogo Marcelo Szpilman (à esq.): à frente da primeira foodtech brasileira de pescados -
O biólogo Marcelo Szpilman (à esq.): à frente da primeira foodtech brasileira de pescados – (Fotos Daniela Dacorso/Veja Rio)

Segundo a FAO, para alimentar os 10 bilhões de habitantes esperados na Terra em 2050, a produção precisará crescer 70% — daí a necessidade de desenvolver formas alternativas para pôr comida no prato de toda essa gente. Antenados com a mensagem, os cozinheiros têm aderido com ânimo redobrado aos itens que imitam os carnívoros. “Nossos hambúrgueres com carne processada de plantas vendem cinco vezes mais que os antigos vegetarianos, feitos de faláfel ou lentilha”, conta o chef Thomas Troisgros, à frente da rede T.T. Burger, onde 1 500 discos da Fazenda Futuro são grelhados mensalmente na chapa quente. O filho de Claude Troisgros foi um dos primeiros a testar a afamada carne vegetal fabricada pela Fazenda Futuro, empreitada do carioca Marcos Leta, uma das pioneiras no ramo. Avaliada em 2,2 bilhões de reais e presente em trinta países, a empresa recentemente incorporou a cantora Anitta no rol de sócios. Hoje, 75% do faturamento deriva de mercados estrangeiros, como o Reino Unido, além de vir de parcerias como a selada com o time de basquete Golden State Warriors, atual campeão da NBA, para vender sandubas com recheios da marca em sua arena, na Califórnia. Da sede, instalada em Volta Redonda, saem também atum, frango e linguiça sem um pingo de material animal.

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Enveredando por trilha similar, a NoMoo, do casal carioca Marcelo Doin, 43 anos, e Nathalia Pires, 36, desbrava esse mercado fermentando oleaginosas com as mesmas bactérias que transformam em queijo o leite comum. Assim eles produzem manteigas, mussarelas e até queijo de cabra. Em Jacarepaguá, na Zona Oeste, a dupla ergueu a maior fábrica do gênero na América Latina. “Nosso objetivo é ser a Nestlé do plant-based, com produtos como leite condensado e doce de leite”, ambiciona Marcelo, com previsão de aumento de 350% no faturamento em 2022. E que tal um ovo que não vem da galinha para uma omelete de queijo sem vaca? Pois já existe, e é a proposta da N.ovo, foodtech a serviço da Mantiqueira, com a sua linha de ovos em pó, feitos de vegetais como ervilha e linhaça. “Está no radar fazer um ovo completo, com direito a gema. Temos tecnologia própria para replicar até o aroma das comidas de origem animal e lançá-las à perfeição”, garante Ana Viana, gerente de pesquisa e desenvolvimento da empresa, cujo portfólio conta ainda com frango à base de plantas.

No Oriente Médio, a meca do bife de laboratório, a israelense Future Meat despontou em 2021 como a primeira fábrica de carne cultivada (é carne, derivada dos bichos sim, mas sem abate, produzida diretamente de células animais). Já conseguiu reduzir, por exemplo, mais de quatro vezes o valor do filé de frango, feito nesse caso, como sabemos, à base de altas tecnologias. Os próximos passos fazem lembrar algo como Os Jetsons, desenho que marcou gerações por suas projeções futurísticas. Em algum grau, esse tempo chegou. É o que sugere a garrafinha com líquido avermelhado e a inscrição “robalo”. Alocada no câmpus do Inmetro, em Xerém, na Baixada Fluminense, a Sustineri Piscis é a primeira foodtech brasileira de pescados em cultivo celular, capitaneada pelo biólogo Marcelo Szpilman com a dupla de cientistas Camila Luna e Marcus Teixeira. “Não estamos fazendo comida de astronauta. É peixe genuíno sem precisar pescar, produzido com inteligência e inovação”, defende Szpilman, também diretor-presidente do AquaRio. Retiradas de peixes vivos como linguado, tainha, garoupa e cherne, as células aguardam o biorreator alemão de 700 000 reais, já a caminho, para a segunda etapa do projeto, que tem entre os investidores a Frescatto Company. Está programada para 2023 a degustação de um protótipo de pescado empanado, enquanto o filé inteiro é tarefa para um horizonte mais próximo. “O futuro da carne está no laboratório, que sairá cada vez mais de lá com sabor e bom preço”, acredita o chef Thomas Troisgros. Bom para o planeta e seus habitantes.

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De Anitta e DiCaprio a Bill Gates, os famosos apostam nas proteínas alternativas

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Anitta
(Eduardo Bravin/Divulgação)

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Enquanto celebridades como o ator Leonardo DiCaprio e o rapper Jay-Z investem em empresas de carne plant-based, entre elas as americanas Impossible Foods e Beyond Meat, líderes do segmento, a carioca Fazenda Futuro ganhou o toque de Midas da cantora Anitta, que virou sócia e estampa as embalagens da linha festa de miniquibes, hamburguinhos e frango empanado. É aposta certeira na chamada geração Z, gestada na internet e aberta à novidade. “Fiquei louca pelos hambúrgueres e descobri que comer bem pode ser saboroso, nutritivo e bom para o meio ambiente”, declarou a cantora ao anunciar sua adesão ao negócio. Graças à tecnologia, esse segmento das proteínas alternativas vem se tornando mais acessível. Há uma década, a título de lembrança, o primeiro hambúrguer de laboratório, produto de uma pesquisa que consumiu 330 000 dólares (mais de 1,7 milhão de reais), foi custeado por Sergey Brin, cofundador do Google. Nessa seara, um dos maiores investidores é o bilionário Bill Gates, que põe dinheiro atualmente em sete foodtechs.

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