A mudança no consumo de vinhos do carioca frente à pandemia de Covid-19
O fechamento de bares e restaurantes fez com que a taça seja apreciada no confinamento do lar — e os negócios correm para se readequar ao novo cenário
Assim que ficou decretado que hotéis e restaurantes teriam de fechar as portas no Rio para evitar aglomerações, uma forma de frear a disseminação do novo coronavírus, a empresária Ana Luisa Bernacchi Santos se deu conta de que seu negócio seria seriamente afetado. Dona de uma importadora de azeites e vinhos, ela previu uma queda no faturamento de 80%, e o futuro tombo a fez pensar em como pôr de pé uma estratégia para sobreviver — o que exigiu uma completa reinvenção. Uma das grandes fornecedoras de rótulos para casas de renome na cidade, a Asagourmet chacoalhou seu até então discreto site e o transformou em uma loja on-line. Em poucas semanas, “pessoas físicas” (para usar o jargão), que antes representavam 5% das vendas, agora são, de longe, o maior quinhão da clientela.
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Só para se ter uma ideia, mais de 600 novos compradores investiram em pelo menos uma garrafa. “É, sem dúvida, um enorme desafio atender a essa demanda de forma segura e rápida”, reconhece Ana Luisa, que vive rondada por muitas incertezas como quase todos os mortais hoje em dia, mas vislumbrou uma oportunidade abrir-se em meio a tantos sacolejos na economia, e está indo bem.
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As vendas on-line vêm dando fôlego não só ao mercado de vinhos, mas alavancando o comércio em geral no Brasil e, assim, minimizando o prejuízo. Há uma especificidade, porém, no nicho das bebidas: em épocas de grandes crises — desencadeadas por catástrofes naturais, guerras e, agora, pela pandemia —, as pessoas tendem a ficar em casa e ingerir mais alcoólicos. Em Manhattan, Nova York, o consumo subiu 25% na semana logo após o ataque terrorista às Torres Gêmeas, no fatídico 11 de setembro de 2001. A disparada se repetiria quatro anos depois, quando o furacão Katrina devastou o litoral dos Estados Unidos. “Diante de um trauma coletivo, as pessoas mostram-se mais inclinadas a ingerir bebidas alcoólicas”, confirma a psiquiatra Analice Gigliotti. “O confinamento fez todo mundo perder um pouco a noção dos dias da semana e, com a transformação na rotina, muita gente está se permitindo beber mais”, observa Ana Luisa, com base na experiência da Asagourmet.
Mesmo sem bares e restaurantes, portanto, esse é um setor que não paralisou e segue se adaptando. Sim, o dólar disparou, alcançando patamares inimagináveis, mas o estoque nas prateleiras ainda é anterior à inflada sem precedentes da moeda americana — e gigantes do varejo, como as redes Extra e Pão de Açúcar, conseguiram manter os preços e registrar aumento de 100% nas vendas em suas lojas na primeira quinzena de abril. No e-commerce, a trajetória é também ascendente. Duas das principais plataformas virtuais de vinhos, a Wine e a Evino, contam que houve crescimento de cerca de 50% nos pedidos entre os cariocas no cenário pós- quarentena. O Brasil acompanha a tendência global. A Nielsen, empresa de análise de dados, divulgou que, na primeira metade de março, as vendas nos Estados Unidos subiram 53% nos supermercados; no on-line, avançaram 42%.
Comprar no ambiente virtual é um hábito que ganhou impulso agora no Brasil com as restrições ao velho comércio de argamassa e tijolo. As negociações on-line estão sendo decisivas para estancar as perdas que naturalmente viriam com o fechamento dos pontos físicos. “As pessoas estão comprando cada vez mais pelo e-commerce, inclusive quem não tinha esse costume, o que vem aquecendo o setor”, analisa o especialista Marcelo Copello. É o caso da administradora Flávia Elarrat, 45 anos, dona de uma adega com setenta garrafas garimpadas em vinícolas de renome mundo afora. “Era aquele tipo de consumidora que precisava tocar o rótulo, olhar. Quando me vi diante das recomendações de não sair de casa, minha primeira sensação foi de desabastecimento”, brinca ela, que mudou de hábitos. “Ir às compras virou uma função, cheia de etapas e cuidados. A experiência on-line resume o processo a apenas dois cliques”, diz Flávia.
No Rio, à parte os blends de uvas (em geral os rótulos mais em conta), as garrafas com maior saída são as de malbec e cabernet sauvignon. Para quem quer entender o porquê, Joseph Morgan Junior, professor e presidente da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro, esclarece em “enologuês”: “O malbec atrai o público, sobretudo iniciante, pela combinação entre o teor alcoólico moderado e taninos mais macios, caindo muito bem no dia a dia. Já o cabernet sauvignon, bem mais seco, tende a equilibrar o paladar diante de pratos com elaborações mais sofisticadas”. É bem-vindo que uma boa taça de vinho seja companheira de quarentena, mas, não custa lembrar, o excesso é sempre contraindicado. Preocupada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem sido enfática ao recomendar aos governos um controle mais rígido nesse quesito. “A orientação é manter o equilíbrio, aliando à gestão alcoólica em doses moderadas um estilo de vida saudável e um sono reparador”, alerta Gilberto Ururahy, especialista em medicina preventiva. Isto posto, tim-tim.
Por dentro da taça
As preferências dos cariocas quando o assunto é vinho
1,49 litro é o consumo médio per capita de vinho importado no Rio, o que faz do carioca o líder da categoria no Brasil
Os rótulos argentinos, chilenos e portugueses são os mais vendidos nestas praias
Cabernet sauvignon e malbec estão entre as uvas preferidas da clientela
15% das vendas de vinhos são concluídas através das plataformas on-line
50 a 110 reais é a faixa de preço em que oscilam os rótulos de maior saída por aqui.
Fonte: Evino, Wine e Ideal Consulting
A um clique
Cinco plataformas digitais para abastecer a adega dentro da quarentena
Asagourmet (asagourmet.com.br)
Dica: leve e fresco, o chileno Viu Manent Chardonnay Reserva 2019 está em promoção — de 90 por 45 reais.
Evino (evino.com.br)
Dica: o sistema oferece kits com cinco garrafas a partir de 124,50 reais — e avulsas, como a La Grupa Malbec 2019, a 32,90 reais.
Grand Cru (grandcru.com.br)
Dica: entre os mais vendidos, o italiano Miluna Rosso Puglia 2018, a 59,90 reais, é indicado com carnes.
Lovino (lovino.com.br)
Dica: preste atenção às garrafas a partir de 29,90 reais, como o Malbec Hereford, da bodega argentina La Rosa.
Wine (wine.com.br)
Dica: na seção de ofertas há rótulos com até 44% de desconto, como o Quinta de São João 2017, a 52,82 reais.