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Vinoteca

Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos

Como nascem os drinks

por Marcelo Copello “Sempre trago comigo uma garrafa, no caso de ver uma cobra – que também sempre trago comigo”, W. C. Fields. “Não me importo de ser levado a beber. O que me preocupa é ser levado para casa” W. C. Fields. Em seus primórdios, o vinho raramente era bebido puro. Os antigos gregos consideravam […]

Por marcelo
Atualizado em 25 fev 2017, 17h27 - Publicado em 5 jul 2016, 20h31

por Marcelo Copello

“Sempre trago comigo uma garrafa, no caso de ver uma cobra – que também sempre trago comigo”, W. C. Fields.

“Não me importo de ser levado a beber. O que me preocupa é ser levado para casa” W. C. Fields.

Em seus primórdios, o vinho raramente era bebido puro. Os antigos gregos consideravam o consumo do fermentado em seu estado natural uma prática de bárbaros, avessa ao bom gosto. O néctar de Dionísio, ou Baco, era diluído em água (normalmente do mar), adoçado com mel e temperado com as mais diversas especiarias. Preparar o vinho era uma verdadeira arte, destinada aos symposiarcas, os primeiros sommeliers ou bartenders da história. Ao que parece, estas misturas à base de vinho talvez tenham sido os primeiros coquetéis de que se tem notícia. Daí em diante, a criatividade dos bebedores foi amplamente usada a serviço das misturas, e não se limitou a usar apenas vinho como base alcoólica. Alguns drinques tornaram-se clássicos, quase tão importantes quanto a bebida pura que lhes serve de base.

Mas todo amante de coquetéis sabe: um drinque, para tornar-se famoso, precisa ter berço e história, como uma espécie de certidão de nascimento ou carteira de identidade. Os verdadeiros clássicos costumam ter muitos inventores, reproduzir várias “receitas originais” e estar cercados de lendas. Não raro é impossível determinar com precisão a verdadeira origem.

 

Como nascem os drinks

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Muitos surgiram de fatos curiosos, como o Sidecar (conhaque, suco de limão e Cointreau). Foi criado em 1931 por Harry MacElhone, do Harry’s Bar de Paris, no dia em que uma moto se chocou contra o estabelecimento e quase o destruiu. Verdade ou imaginação inflamada, não importa. Com freqüência, as melhores histórias sobre coquetéis são pura ficção. Um bom exemplo é a versão da criação da caipirinha, deliciosamente relatada no best-seller “O Xangô de Baker Street”, de Jô Soares. No romance policial, Dr. Watson, fiel companheiro de Sherlock Holmes, teria criado o coquetel brasileiro por excelência ao acaso. Na realidade, a batida muito provavelmente foi inventada quando alguém decidiu espremer limão e misturá-lo à cachaça como um remédio para aflições respiratórias. A tese mais aceita é a de que, a exemplo do que aconteceu com a angustura, o gim e alguns licores, a capirinha surgiu como remédio no final do século XIX ou no início do XX, em São Paulo. A hipótese tem fundamento na expressão caipira, que denomina os nascidos no interior e é típica do Estado de São Paulo.

Momentos de tristeza também motivaram a elaboração de misturas. Foi assim em 1861. Enquanto todos na Inglaterra choravam a morte do príncipe Albert, um fiel súdito disse que, naquela data, até o Champagne deveria ficar de luto. Em seguida, serviu a bebida acrescida de cerveja preta. Estava criado o Black Velvet, ou veludo negro.

Outras mesclas favoritas à base do nobre borbulhante tiveram criações mais alegres. É o caso do Bellini, uma refrescante junção de suco de pêssego e espumante. O cenário era a Veneza do início dos anos 40 e o autor, Giuseppe Cipriani, do Harry’s Bar, que buscou inspiração no colorido das obras renascentistas de Giovanni Bellini.

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Na galeria das misturas à base de espumante quem reina é o Kir Royal (Champagne e licor de cassis). Criado por Canon Felix Kir, na França, a mistura inicialmente chamava-se apenas Kir e previa a utilização de vinho branco de mesa seco, mas, para ganhar nobreza, na versão “Royal”, substituiu-se o vinho de mesa pelo nobre espumante.

Combinações com Champagne nunca saem de moda e são tão clássicas como “Casablanca”. No cultuado film noir, o Café Americain é o palco para Rick (Humphrey Bogart) virar várias taças do vinho espumante junto da amada Ilsa (Ingrid Bergman). Ao fundo, o piano de Sam (Dooley Wilson). Quando não era apreciado puro, o Champagne se transformava no coquetel de Champagne, típico do sul dos Estados Unidos. Além do vinho gasoso, também estão na taça brandy, açúcar branco e gotas de angostura. A associação de clássicos do cinema com drinques tradicionais é o tema de “Hollywood Cocktails”, de Tobias Steed. Ricamente ilustrado, o livro traz fotos nas quais se pode ver toda a afinidade da fábrica de ilusões com a “cocktail hour”. Segundo o autor, “nos filmes, a hora do coquetel dava aos cineastas uma pausa na ação e uma possibilidade de desenvolver as narrativas. Era também, é claro, um momento de reflexão e de se refrescar”.

 

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O cinema talvez não tenha criado, mas certamente ajudou a tornar memoráveis muitos drinques. O Dry Martini, por exemplo, deve muito de sua popularidade a Clark Gable. Em “After Office Hours” (1935), o galã ajudou a criar o hábito do happy hour e do mito do Dry Martini. Como outros coquetéis, este ícone teria surgido ao acaso. Data do final do século XIX a versão mais aceita para a gênese. Numa espelunca, o barman Jerry Thomas teria improvisado este “rabo-de-galo” para saciar a sede de um viajante que estava a caminho da cidade de Martinez, na Califórnia. O cliente teria gostado tanto da novidade a ponto de desembolsar uma pepita de ouro para pagar a conta.

 

A receita é aparentemente simples: gim, vermute e uma azeitona para decorar. Basta juntar as bebidas numa coqueteleira, bater com gelo e servir coada. O segredo está na quantidade de vermute – quanto menos, mais “dry”. Muitos colocam apenas algumas gotas, outros, ironicamente, apenas sussurram o nome “vermute” para o copo. O cúmulo é colocar a garrafa de vermute ao lado deste, de modo que um raio de luz transpasse ambos perfazendo uma mistura espectral.

A fórmula foi tão disseminada que originou variações, como o Manhattan, em que o gim é trocado por bourbon e a azeitona, por uma cereja. Uma dama estaria por trás desta criação. De acordo com Steed em “Hollywood Cocktails”, a invenção aconteceu no início do século XX no New York’s Manhattan Club, a pedido de lady Randolph Churchill, mãe de Winston Churchill.

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Fatos históricos desencadearam a criação de algumas combinações. O Daiquiri (rum, suco de limão e açúcar), por exemplo, era carregado pelos cubanos em cantis de couro atados à cintura. Os nativos se refrescavam com alguns goles entre a degola de um invasor espanhol e outro. Mais tarde, quando os americanos invadiram a ilha, fizeram-no pela praia de Daiquiri, batizando assim o célebre coquetel, que inicialmente consumiam “medicinalment”, sob o argumento de prevenir a febre amarela. Outra versão aponta ainda o engenheiro americano Jennings Cox, que teria vivido em Cuba no século XIX, como o inventor.

 

A ilha paradisíaca sempre foi rica fonte de mesclas a partir do rum, o destilado local. O preferido do escritor Ernest Hemingway era o Mojito (rum, suco limão, açúcar, folhas de hortelã e soda), que ele costumava beber fiado nos bares locais. Mais popular entre os moradores do recanto caribenho, porém, é a Cuba Libre, concebido por um soldado americano a serviço na ilha no início do século XX.

Entre histórica e curiosa está a criação da Marguerita, a mais notória miscigenação à base de tequila, acrescida de Cointreau e suco de limão e servida com uma franja de sal. Muitas lendas situam a invenção no velho oeste americano. A versão mais romântica conta que foi criada por um bartender em homenagem à senhorita que emprestou seu nome à mistura. Ela teria se interposto entre ele e uma bala assassina, salvando assim a vida do amado enquanto morria em seus braços.

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A resposta vem dos céus. É o Virgin Mary, que segue a mesma fórmula da versão Bloody, porém sem seu elemento ativo, a vodca. O suco de tomate, temperadíssimo, deve ser sorvido com uma prece e uma promessa, a de não se envolver mais com nenhuma Maria derramada em álcool.

Veja também tudo sobre uvas: www.marcelocopello.com/post/voce-sabe-a-origem-dos-nomes-das-uvas

 

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