Por Marcelo Copello
Muito já escrevi sobre os vinhos australianos, dos quais gosto muito. Em uma visita a Austrália, contudo, percebi que a bebida nacional é outra.
Para um australiano, a escolha da marca predileta de cerveja passa, não pelo palato, mas pelo coração. É um ato de paixão, como torcer por um time de futebol, no caso um time de cricket.
Apesar do vinho estar ganhando popularidade entre os australianos e já ser um importante item nas exportações, a cerveja ainda é a bebida típica por excelência. Cada australiano consome por ano 80 litros da louríssima, contra 20 litros de vinho.
A cultura da cerveja aqui é muito forte. Pode-se dizer muito sobre um australiano pela cerveja que ele bebe. Pode-se dizer de que estado ele é e o que pensa de si mesmo, de que classe social é, ou acha que é, ou até mesmo quem ele está querendo impressionar. A cerveja aqui define quem e onde você está.
Bebe-se e produz-se o suco de cevada na Austrália desde os primeiros anos após seu descobrimento, em 1788. Desde então, a fronteira de cada estado sempre definiu as fronteiras do gosto.
Em Queensland, cuja capital é Brisbane, desde o século XIX, bebe-se a XXXX Bitter Ale, ou “four-X” como é chamada, uma cerveja do tipo ale (mais encorpada), de rótulo amarelo, com 4,8% de álcool, dourada, com amargor bem pronunciado, aromas de lúpulo, leveduras e amêndoas. A origem do nome é interessante: desde os tempos medievais, quando a produção de cerveja era restrita aos monastérios, o “X” (o sinal da cruz) era um símbolo de pureza nas bebidas alcoólicas. O número de “X” identificava a força da bebida. Os moradores de outros estados zombam dos “queenslanders” dizendo que estes preferem a XXXX pois é a única que conseguem pedir, já que não conseguem pronunciar a palavra “cerveja”. Já os locais replicam dizendo que tudo se trata de inveja dos “cockroach” (baratas), como chamam o pessoal do sul, já que não podem a apreciar a “four-X” adequadamente, em seu local de origem, a beira das praias belíssimas da região, como a de Surfers Paradise.
Em New South Wales (NSW) e na sua capital Sydney, existe uma antiga rivalidade entre as cervejarias Tooths e Tooheys, no caso entre suas marcas Reschs e Tooheys Red Bitter. A Tooheys, fundada em 1865 pelos irmãos John Thomas e James Matthew Toohey, ganha de longe em popularidade, a Tooheys Red Bitter, é uma lager encorpada, sem aditivos, cor de ouro velho, com 4,3%.
NSW também é a terra da Hahn Brewing, uma cervejaria jovem, fundada em 1987, com os equipamentos mais modernos e seguindo sempre a lei de pureza alemã de 1516. Em 1993 foi comprada pela Tooheys, o que não influiu na qualidade do produto. Sua Hahn Premium Lager é excelente, límpida, aromática, com 5,0% de álcool e um final marcado pelo gosto agradável de lúpulo. Aqui, se você for, digamos, riquinho, ou quiser parecer mais sofisticado, peça uma Hahn ou uma importada, como a belga Stella Artois.
O estado de Victoria é onde fica Melbourne, que protagoniza com Sydney uma novela histórica de bairrismo, onde a cerveja tem um importante papel. É daqui a Forster, maior empresa do setor, que recentemente têm adquirido algumas vinícolas. Sua marca Foster’s Lager, embora seja pouco consumida em seu próprio país, é sinônimo de cerveja australiana no exterior.
Uma outra marca da Foster, a Victoria Bitter, detém um terço de todo o mercado e está se tornado a primeira cerveja de aceitação nacional. Com muitos apelidos: “VB”, “Victor Bravo”, ou simplesmente “Vitamina B”, esta é a cerveja que uniu a nação. Se você estiver na dúvida de qual a marca correta a pedir, escolhaça simplesmente a “VB”, mais clara e leve (e, devo dizer, menos saborosa) que as cervejas tradicionais, com 4,9% de álcool e doçura presente.
Em South Australia (SA) ou você é West End ou é Coopers. Quem prefere a West End vê quem bebe Coopers como uma “vítimas da moda”, que nunca trabalhou duro na vida. Enquanto o adepto da Coopers vê os que bebem a West End como rudes estivadores. Disputas a parte, no paladar, enquanto a West End Draught tem um caráter mais maltado e amargo, a Cooppers Original Pale Ale, por passar por uma segunda fermentação na garrafa, deixa um resíduo natural de leveduras no fundo do vidro, é portanto turva e bastante cremosa.
Em Western Australia, não são tão radicais, consomem várias marcas. As locais mais tradicionais, no entanto, são a Emu e a Swan. Na realidade as duas cervejarias pertencem, desde 1928, ao mesmo grupo.
No Northern Territory, terra de crocodilos e de “homens de verdade”, bebe-se o que quiser e ninguém tem nada com isso. Uma curiosidade, aqui pede-se pela cor: amarelo para a four-X, vermelho para a Tooheys e verde para a VB, e bebe-se no gargalo em garrafas de 750ml. Por outro lado, pasmem, esta terra de machões é líder nacional no consumo de leite com sabores.
A pequena Tasmânia também produz suas cervejas, por sinal muito boas. A Cascade, a cervejaria mais antiga do país, ainda operando no local de sua fundação em 1820, é a preferida no sul da ilha, enquanto a Boag’s reina no norte. Dizem que até hoje, qualquer um que entre em um Pub na capital Hobart, no sul, ao pedir uma Boag’s, pode ser convidado a se retirar.
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