Thalita Reboucas Por Blog Blog da Thalita Rebouças
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Rapidinho

Há quem não entenda o conceito de privacidade, outros ignoram o de cidadania. Renata não entende o conceito de pressa. Amiga minha há muitos anos, não é de hoje que sou surpreendida por telefonemas assim: – Gata, pode falar rapidinho? Ah! Renata também não entende o conceito de “rapidinho”. E chama de gata todas as […]

Por thalita
Atualizado em 25 fev 2017, 19h00 - Publicado em 18 ago 2013, 22h59
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  • Há quem não entenda o conceito de privacidade, outros ignoram o de cidadania. Renata não entende o conceito de pressa. Amiga minha há muitos anos, não é de hoje que sou surpreendida por telefonemas assim:

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    – Gata, pode falar rapidinho?

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    Ah! Renata também não entende o conceito de “rapidinho”. E chama de gata todas as amigas, sem exceção.

    – Estou entrando no chuveiro, atrasadérrima.
    – Beleza, é rapidinho. Gata, estou atrás de gente de circo, sabe? Cuspidor de fogo, malabaristas, esse povo que se pendura em tecido… Você conhece alguém?

    Enquanto a água caía no box, eu me perguntava por que diabos ela achava que EU conheceria algum desses profissionais.

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    – Pra que você precisa disso?
    – Pra festa da Maria Júlia.
    – Mas o aniversário dela não é daqui a seis meses?
    – É, e a festa é daqui a sete, mas já estou planejando tudo.
    – Então você não precisa disso agora. Depois te ligo, estou atrasada.
    – Tá bem, antipática.

    É, Renata costuma ficar revoltada quando uma amiga não pode sacar imediatamente o telefone de um cuspidor de fogo. Mas esse não foi o pior caso.

    – Gata, pode falar rapidinho?

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    Com o tempo, aprendi que não bastava estar atrasada para não ser tachada de imprestável por uma amiga querida.

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    – Estou em reunião. É urgente?
    – É!
    – Fala.
    – Você que vive em festa, me dá uns nomes de DJs.
    – Ok, faço isso mais tarde. Um beij…
    – Jura? Não pode ser agora, gata? É pra festa da Maria Júlia.
    – Renata, não conheço DJ de pirralho. Conheço DJs para a nossa idade.
    – Mas tem diferença?
    – Claro, mas não posso discutir isso agora – sussurrei, irritada. – Estou na frente de três pessoas que nunca vi na vida, tentando fechar um contrato. A gente se fala mais tarde.
    – Mas manda mesmo os nomes, hein, gata? Quero um DJ que não seja muito caro e que traga junto a iluminação. Por que DJ sem luz não rola né, gata? Outo dia, fui numa festa que a luz era ridícula, inexistente… Acredita nisso? Mas o brigadeiro você ia amar, derretia na boca, estou até pensando em chamar o mesmo bufê pra Maria Júlia. Você sabe quanto tá um bufê pra uma festa de adolescente, gata? Porque a da…
    – Beijo, Rê!
    – Grossa!

    Essa é minha amiga Renata. Pensa que ela melhora com o tempo? Nananina.

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    – Gata, pode falar rapidinho?
    – Não. Estou chegando em um lançamento, está uma fila enorme e ainda tenho que dar entrevista pra uma rádio antes de começar a autografar.
    – Ah, gata, o que é que custa falar comigo rapidinho? Estou num engarrafamento horroroso, sem nada pra fazer, só quero companhia!
    – Rê, a entrevista pra rádio é ao vivo.
    – Já entendi, o sucesso subiu à cabeça e você não liga mais para nós que te aturamos há tanto tempo.
    – Também te amo!

    Desliguei. E não ouvi, mas tenho certeza que ela me xingou.

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    Numa tarde qualquer…

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    – Gata, pode falar rapidinho?

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    Putz. Não podia. Estava só atrasada para a terapia, mas resolvi inovar:

    – Estou presa numa asa-delta, sou a próxima na fila para saltar num voo duplo da Pedra Bonita. Não posso falar!
    – Mas é rapidinho! Onde é que eu mando fazer filipeta?

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    Inacreditável. Mas como a resposta era fácil, agi com ternura.

    – Numa gráfica, Renata.
    – Ótimo. Você tem o telefone?

    A minha vontade foi responder: “você tem Google?”, mas eu ia novamente ouvir impropérios contra minha sempre solícita pessoa.

    – Não, Rê. Não tenho. E como te disse, o momento agora não é o mais apropriado para eu catar telefones de gráfica pra você.
    – Não precisa dar agora, manda por torpedo. Mas não demora, porque preciso resolver isso logo. É pra tia de uma amiga da minha mãe que vai fazer um bazar.
    – Quando?
    – No Natal.
    – A gente está em agosto, Renata! Beijo!
    – E você se diz fofa… Quem não te conhece que te compre! – disse, arrematando com um irritadíssimo: – Beijo!

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    Que tal?

    A última foi pior.

    – Gata, pode falar rapidinho?

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    Estava em casa ansiosa para ver o primeiro episódio da terceira temporada de Downton Abbey, pipoca no colo, faltava um minuto para a série começar. Precisava de uma desculpa com mais sustância para desligar rápido e não ser chamada de antipática, grossa e outros carinhos.

    – É rapidinho mesmo? Porque hoje tem que ser! – avisei, antes de botar toda a minha criatividade pra fora: – Bateram no meu carro, o pneu furou, estou aqui brigando pra montar o triângulo, estressada com o cara que amassou minha traseira, pegando chuva, a mão cheia de graxa e todo mundo buzinando e me xingando. Posso te ligar depois?
    – Não! É rapidinho! Você lembra quando a gente tinha uns 19 anos e você comprava roupas de malhar com uma menina chamada Carol, que morava no Recreio, que a mãe era dona de academia?

    Ela se supera a cada telefonema.

    – Arrã.
    – Menina, sabe que encontrei com ela outro dia e ela disse que não se lembra de você? Falei horas com ela, casou com aquele cara com pinta de cafetão que a gente achava péssimo e teve gêmeas com ele. Adivinha os nomes?
    – Rê, eu tô num momento delicad…
    – Tábata e… Tha-li-ta. Agora me diz como é que ela dá pra filha o SEU nome e não se lembra de você, gata? Fiquei indignada, precisava te ligar.

    Essa é a minha amiga Renata. Que eu amo pra sempre. E que me faz rir há mais de 20 anos.

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