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Teatro de Revista

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Espetáculos, personagens, bastidores e tudo mais sobre o que acontece na cena teatral carioca, pelo olhar do crítico da Veja Rio
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Exclusivo: Rafael Gomes, autor das adaptações de Edukators e Talvez uma História de Amor, escreve sobre o seu trabalho

Transpor obras de arte muito cultuadas para outras mídias costuma ser uma tarefa inglória — os fãs mais xiitas invariavelmente desejam ver nas adaptações um espelho do original, o que é obviamente impossível. Jovem roteirista e dramaturgo paulista, 30 anos, Rafael Gomes encarou o desafio duas vezes recentemente, em peças que podem ser vistas atualmente no […]

Por rafaelteixeira
Atualizado em 25 fev 2017, 18h59 - Publicado em 22 ago 2013, 18h34


Transpor obras de arte muito cultuadas para outras mídias costuma ser uma tarefa inglória — os fãs mais xiitas invariavelmente desejam ver nas adaptações um espelho do original, o que é obviamente impossível. Jovem roteirista e dramaturgo paulista, 30 anos, Rafael Gomes encarou o desafio duas vezes recentemente, em peças que podem ser vistas atualmente no circuito: são dele as adaptações de Edukators, filme do austríaco Hans Weingartner, e de Talvez uma História de Amor, livro do francês Martin Page. Em cartaz respectivamente no Teatro Ipanema e no Centro Cultural Justiça Federal, ambas as obras têm fãs devotos, principalmente entre o público jovem.

O autor escreveu para o blog um texto exclusivo no qual fala sobre a função do adaptador e, especificamente, sobre o seu próprio trabalho com esses dois espetáculos. Confiram:

Pode ser só impressão, mas sempre senti pairar no ar a noção comum de que a adaptação é a prima pobre da autoria. Talvez fosse um preconceito pessoal, mas, ainda assim, acredito que sobre o trabalho de adaptar costuma-se ter, por aí, noções bastante inexatas, ou simplesmente noção nenhuma. Escapa à palavra, pelo seu próprio significado, a essência do trabalho: de que “adaptar” é criar uma nova obra — a partir de outra, sim, mas inteiramente nova.

(Não fosse verdade, não teríamos, por exemplo, o Oscar de “roteiro adaptado”, não é mesmo?)

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Em relação ao teatro, esse estigma pouco enobrecedor, quando existe, parece ser ainda mais cruel. O “adaptador” seria aquele que corta umas palavras, rearranja umas coisinhas e eis um texto pronto para que atores o digam sobre o palco.

Nada poderia ser mais falacioso do que isso, no entanto. Adaptar é, antes de qualquer coisa, fazer uma “tradução intersemiótica”, se usarmos um possível termo técnico. O que significa transferir um discurso (uma trama ou uma situação ou um personagem ou tudo isso) não só para outro contexto, mas para uma outra linguagem.

Adaptar para o teatro não é eleger, dentro do que já existe, o que será verbalizado. É retorcer a gramática (da literatura, do cinema, do que estiver sendo adaptado) para escrever pelas linhas de uma arte performativa e presencial. É mudar a lógica. É ladrilhar uma lagoa, colocar um escafandrista no espaço sideral.

Sim, as engrenagens da dramaturgia podem ser — e são — parecidas, mas cada arte funciona de acordo com a sua própria organização. Na maneira como se faz, evidentemente, mas principalmente na maneira como o público a apreende.

Ler um livro no teatro não é teatro e não é necessário. O livro já existe, está escrito e está escrito para ser lido individualmente, incitando, na quietude e em particular, a subjetividade de cada leitor. Um ator que simplesmente diz um livro, com alguns cortes, em cena, encena uma traição artística (a não ser, é claro, que esta leitura de um livro seja a própria linguagem, como nos geniais “romances em cena” de Aderbal Freire-Filho).

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Colocar um livro no palco requer obrigatoriamente que se busque, nele, o que pode ser expandido, intensificado, descoberto ou experimentado de forma diversa em relação ao que, escrito, ele já faz por nós. Colocar um livro no palco é estar de tal forma imbuído dos sentimentos que ele causa que se vai ao ponto de gerar uma nova obra sobre esses sentimentos. Caso contrário, deixemos o livro quieto – a literatura, sabemos, é uma arte suficientemente maravilhosa em seu aspecto natural.

Na minha experiência, ironicamente, este grau de submersão no espírito de certas obras, de modo a justificar a transmutação delas em peças de teatro, não se deu originalmente em mim, mas em artistas inquietos que entendem o funcionamento das reapropriações. E que quiseram, acho que por sorte (minha), contar com colaboração de minha parte para realizá-las.

Edukators, a partir do filme homônimo de Hans Weingartner, e Talvez uma História de Amor, baseado no romance homônimo de Martin Page, mudaram muito para continuarem sendo intensamente eles mesmos, no palco. No caso do filme, acredito que as mudanças são mais internas e sutis, menos visíveis para quem não as procurar saber. No caso do livro, creio que elas sejam mais flagrantes. Em ambos os casos, trata-se de obras conhecidas, com fãs que não se quer trair. Em ambos os casos, minha preocupação foi que atingíssemos o teatro e o que só ele pode nos dar. Respeitando o que já existe, mas procurando algo do não desbravado (dentro de cada obra).

Se fomos bem sucedidos, o público saberá. Mas, pessoalmente, me alegra e orgulha achar que fomos autorais, que buscamos a reinvenção. Que, sim, justificamos o ato de recontar contos já muito bem contados. Porque o fizemos com nosso espírito explorador e nossa inquietação ativos (e esta procura, além do mais, é também sobre o que versam estas duas peças).Meu objetivo ao adaptar duas obras famosas de natureza distintas (uma cinematográfica, outra literária), não é e nem poderia ser substituir ou suplantar a experiência que há em sua existência. É, antes, dialogar. Colocar em cena o que poderia estar nas bordas do filme e do livro. Fazer a plateia sair do teatro, querer (re)descobrir o material de origem e achar que, embora os mesmos, filme e livro e filme e peça são instâncias e experiências distintas. Aí, sim, “adaptar” terá sido um privilégio. Ou, pelo menos, assim eu acredito.

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