Violência na escola: educar não é só dar aulas com conteúdos do currículo
O absurdo que é separar 'questões pedagógicas' de 'disciplina', que em educação entendemos como desenvolvimento intelectual e desenvolvimento moral
Violência é inaceitável. Numa escola é inadmissível. Reportagens publicadas há pouco tempo em alguns jornais contam sobre agressão a uma menina, abuso sexual, assédio e uma suposta omissão da escola diante desse comportamento. Não é a primeira vez que aparece tal tipo de denúncia. Quando acontece é preciso investigar a razão de a escola não conseguir proteger alunos e também por que não conseguiu impedir que se tornassem violentos. E aqui fica claríssimo o absurdo de separar “questões pedagógicas” de “disciplina”, que em educação entendemos como desenvolvimento intelectual e desenvolvimento moral.
Uma escola serve para educar os alunos, e educar não é só dar aulas com os conteúdos do currículo. É muito mais. A construção intelectual e a construção moral são inseparáveis, e condição para a construção da autonomia, que é o objetivo da escola. Autonomia, conceito vinculado à ética e ao conhecimento, é a capacidade de tomar decisões segundo os próprios valores e conhecimentos, sempre considerando a existência dos outros para decidir suas ações.
Alunos que agridem uma colega não parecem estar construindo valores na escola. Os momentos fora da sala de aula são tão importantes quanto as aulas. No pátio, no quintal, no recreio acontecem as brigas, as amizades, as zangas, experimentam-se limites.
A volta do recreio é um momento importante para propor conversas sistemáticas com os alunos sobre o que está acontecendo, tanto na escola quanto na realidade em que vivem. Tanto faz se trazem questões pessoais, da escola, acontecimentos do bairro, da cidade, do país, do mundo. É quando aprendem a ouvir os pares e tentam entender o que pensam. A troca de ideias amplia o conhecimento e ajuda a pensar na responsabilidade de cada um e nos limites necessários nas relações com outras pessoas. No contraste entre saberes e opiniões, aprendem a questionar pontos de vista e a pensar criticamente.
As conversas são supervisionadas por adultos que organizam as discussões e os objetivos, a escuta entre os alunos e as conclusões. É uma proposta de educação moral de um psicologo americano, Lawrence Kohlberg, que realizou em escolas norte-americanas o que ele chamou de ‘comunidades morais’, em que reunia alunos que quisessem conversar sobre enigmas morais. A reflexão sobre os assuntos da conversa é uma prática a ser proposta a todos os tipos de alunos. É surpreendente o quanto pode transformar a sala de aula e os próprios alunos.
Essas conversas são muito diferentes da educação moral corrente, baseada em prêmio para bom comportamento e castigo para a transgressão. Suspender um aluno que transgride significa que ele vai ficar em casa até o dia em que possa voltar a frequentar a escola. Quem pensou o tipo de punição e tudo o mais que ele deve fazer foi o professor (ou coordenador ou diretor). O transgressor apenas cumpre o castigo. Não tem a oportunidade de refletir sobre sua ação para se responsabilizar e até pensar numa reparação. Para poder mudar internamente, quem transgride tem que participar da conversa e da decisão sobre a própria punição.
Alunos que se sentem ouvidos – não para terem suas opiniões aceitas, mas para que sejam discutidas – confiam na escola e preferem um ambiente agradável. É na escola que eles se encontram, convivem, conversam, estudam, aprendem, brincam e exercitam maneiras de pertencer a um grupo. É nela que aprendem os costumes, hábitos e comportamentos para a vida na sociedade. A escola tem que ser o lugar em que crianças e jovens se sentem seguros, abrigados e acolhidos.