Não tem cabimento: uma reflexão sobre escolas cívico-militares
Acreditar que qualquer pessoa pode substituir os educadores na escola é ledo engano; boa educação é trabalhosa, complexa, dinâmica e muito interessante
Por que militares na escola? Por que não médicos ou filósofos, engenheiros ou artistas? Porque não tem cabimento. Quem cabe na escola são os alunos e as pessoas que estudaram muito e se especializaram em educar crianças e jovens – os educadores.
Ser educador numa escola – professor, coordenador, orientador – exige anos de estudo, atualização permanente, muita dedicação, experiência e afeto.
Para educar bem, é preciso conhecer o desenvolvimento emocional e cognitivo de crianças e jovens, estudar epistemologia para entender como o ser humano constrói conhecimento e sempre reciclar o saber teórico e prático, além de manter a atualidade das matérias específicas que se pretende que os alunos aprendam.
Os alunos vão à escola para aprender a usar a capacidade de pensar sobre a realidade e ampliar seu horizonte cultural. Vão aprender a resolver problemas que não são apenas de matemática, mas da vida real. É importante conseguir situar os conteúdos nos contextos, saber relacionar os conhecimentos com os acontecimentos da vida. E descobrir novos. É na escola que se aprende a importância de conviver com os outros e se toma consciência de pertencer a uma sociedade e como contribuir para seu funcionamento.
Acreditar que qualquer pessoa pode substituir os educadores na escola é ledo engano. E mais engano ainda é acreditar que escolas cívico-militares vão resultar em boa educação. Não vão.
O objetivo da escola é a construção da autonomia, um conceito vinculado à ética e ao conhecimento. A pessoa autônoma é capaz de tomar decisões de acordo com seus próprios valores e saberes, mas leva em conta a existência dos outros para decidir como agir. O coletivo legitima normas, regras e leis.
A autonomia presume que a construção do desenvolvimento cognitivo é inseparável do desenvolvimento moral. Não existe um conhecimento separado de valores. Não existe disciplina (entendida como comportamento) separada da pedagogia.
Nada mais longe do objetivo de construir autonomia do que a obediência militar sem discussão. A educação baseada em aplauso para acertos e castigo para erros não forma pessoas autônomas. Obedecer por temor a castigo ou para obter prêmios não provoca a reflexão sobre as próprias ações, sobre a responsabilidade pelo que se faz.
Para construir autonomia, os alunos precisam discutir com os pares, aprender a ouvir os outros, compreender e produzir argumentação convincente. É no grupo, trocando ideias com os colegas, que se aprende a resolver divergências. Saber discutir e negociar com ponderação é fundamental para construir um mundo melhor para todos.
Pessoas obedientes e com o pensamento engessado não conseguem ouvir opiniões diferentes nem refletir sobre elas e não contribuem para a evolução e o refinamento das ideias de uma sociedade.
Uma boa educação para o tempo de transição entre eras, como o que estamos vivendo, não se resume a impor disciplina militar e transmitir conteúdos de modo burocrático, numa proposta descabida que desvaloriza a importância da educação escolar.
A escola é um território especial e único. Além dos professores, todos os que trabalham na escola – na administração, no financeiro, na manutenção – todos pertencem à comunidade escolar e se sentem responsáveis pelo acolhimento dos alunos, dos pais, dos visitantes. A escola inteira é um ‘espaço educador’.
Uma boa educação escolar é aquela que instiga a curiosidade e propõe a conversa e reflexão sobre tudo o que acontece. É trabalhosa, complexa, dinâmica e muito interessante.