A abolição da verdade e a responsabilidade da escola
A escola precisa ensinar a grande diferença que existe entre opinião e conhecimento comprovado

Hannah Arendt já advertiu que quando os fatos são sistematicamente manipulados ou negados, a própria capacidade de pensar criticamente é ameaçada. Estamos vivendo um momento em que a opinião do senso comum passou a disputar lugar com a razão argumentativa e as crenças pessoais tentam ocupar o lugar do saber fundamentado.
As redes sociais alimentam distorções cognitivas e dificultam a compreensão da diferença entre o que é opinião e o que é a construção do conhecimento comprovado. A verdade deixa de ser reconhecida como um valor comum e é substituída por “narrativas”, como se tivessem o mesmo peso, independentemente dos fatos. É o que vem sendo chamado de “pós-verdade” — um fenômeno ligado à desvalorização do saber e à falta de confiança entre ciência e sociedade.
Nesse cenário, a escola tem uma responsabilidade ética e epistemológica fundamental. Educar não é apenas transmitir informações, mas formar sujeitos autônomos, capazes de discernir, argumentar, duvidar e reconstruir sentidos. Paulo Freire já dizia que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as condições para sua produção crítica.
É preciso educar os estudantes para o pensamento rigoroso, para o diálogo autêntico e para o compromisso com a verdade como busca coletiva. O método científico assume papel central como exercício ético e reflexivo. Aprender a investigar, levantar hipóteses, testar, revisar, aceitar o erro e reconhecer os limites do saber é também aprender a viver democraticamente. O método científico, segundo Gaston Bachelard, exige romper com o pensamento ingênuo e estar sempre aberto para o novo, o contraditório, o verificável.
A escola não pode se omitir diante da banalização da mentira e da corrosão do conhecimento público. Em tempos de incerteza, educar para a verdade é um ato de resistência. E isso significa formar sujeitos capazes de perguntar com profundidade, de duvidar com método e de buscar respostas comprometidas com o mundo real — ainda que essas respostas contrariem interesses, afetos ou crenças pessoais.