Xeretando
Gosto de conhecer escritores e artistas através do que deixaram de sua vida em diários, livros de memórias, cartas, confissões, entrevistas, meditações etc. É uma maneira de me meter na vida deles, saber o que faziam, do que se queixavam e o que planejavam realizar. Saber também como foram vividos os dias mais felizes de […]

Gosto de conhecer escritores e artistas através do que deixaram de sua vida em diários, livros de memórias, cartas, confissões, entrevistas, meditações etc. É uma maneira de me meter na vida deles, saber o que faziam, do que se queixavam e o que planejavam realizar.
Saber também como foram vividos os dias mais felizes de sua vida e — mais do que os felizes — os infelizes.
Por onde viajaram, que países conheceram, com que pessoas se relacionaram, a quem admiraram e odiaram.
Que escolaridade tiveram, que formação cultural conseguiram alcançar. E também — talvez até principalmente — que experiências humanas amealharam com as tragédias e as desilusões amorosas que os atingiram. Como enfrentaram os fracassos e — mais do que estes — os sucessos. E as perdas: se ficaram apenas chamuscados ou arderam incessantemente diante da morte da mãe, de um grande amor, de um amigo, de um filho.
Sempre aprendemos alguma coisa com o que eles nos oferecem, fazendo a doação de sua vida para que a nossa vida se mire em seus exemplos. Para o bem ou para o mal. Neste momento estou lendo os Diários de Lúcio Cardoso, um dos mais sensíveis escritores brasileiros, pouco conhecido, mas com um dado biográfico humano e irresistível: o de ter sido o grande amor impossível de
Clarice Lispector. Homossexual assumido, deixou-se amar, impossibilitado de corresponder. Deu-se ao amor de Clarice, esteve à disposição da ternura e do interesse da grande escritora, ainda que indiferente ao amor físico.
É a bisbilhotice, é o leitor xeretando nesses depoimentos na primeira pessoa uma referência picante, uma confissão, um vício jamais revelado.
Na minha juventude líamos os diários sempre que eram publicados. Era uma maneira, então, de nos conformarmos com a nossa pequena estatura cultural, sabendo como os grandes artistas haviam sido pequenos também em determinados momentos da vida, nem sempre rica e fértil como imaginávamos ingenuamente.
— Meu Deus, Kafka inseguro, descrente do seu valor!
Que maravilha!
Festejávamos assim, um tanto debochados, os vacilos das celebridades antes da consagração. Aqueles a quem sonhávamos suceder um dia — quem sabe? —, com a pretensão da juventude.
E para os de pouca fé sempre se podia recorrer a Santo Agostinho e São Francisco de Assis em suas Memórias e Confissões, em que se declaram miseravelmente imperfeitos.
E é isso que nos aproxima deles dois: a imperfeição.
E é também por essa razão que Deus é o personagem principal de todos os diários. Como nestas linhas de Lúcio Cardoso:
“Não acredito que Deus vigie constantemente nossas pequenas misérias — mas há instantes, fases de luta, em que sentimos perfeitamente que é a nós que seu olhar acompanha”.
Em 17 de março de 1952, com 40 anos, escreveu:
“Um diário é apenas uma crônica de gemidos”.
E nessa mesma nota ele nos aquece com uma chama de esperança: “De novembro para cá ainda não realizei as grandes coisas que sonhei… mas elas serão realizadas, tenho certeza”.
Lúcio morreu em 1968, com 56 anos.
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