Tempo de poesia
No meu tempo de rapaz, conquistava-se com poesia. Verdade. Eu mesmo usei versos para chegar ao coração das meninas. Namorei muitas usando Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Álvares de Azevedo, para citar os estrelões do nosso bom romantismo: Se eu morresse amanhã viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã. Minha mãe […]
No meu tempo de rapaz, conquistava-se com poesia. Verdade. Eu mesmo usei versos para chegar ao coração das meninas. Namorei muitas usando Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Álvares de Azevedo, para citar os estrelões do nosso bom romantismo:
Se eu morresse amanhã viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã.
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Esses versos calavam fundo no coração das meninas, que suspiravam melancólicas. Vejam bem que isso acontecia por volta do fim dos anos 40, eu com 15, 16 anos. Se formos recuar mais no tempo, à época da minha mãe, por exemplo, que também amava dizer versos, aí então a emoção pegava mais fundo e forte. Minha linda mãe contava que muitas vezes teve acesso de choro, banhando-se em lágrimas, com os versos de Casimiro de Abreu: És bela, eu moço. Tens amor, eu medo. Quanta delicadeza!
Obviamente cheguei ao parnasianismo e recitei Ora, direis, ouvir estrelas!. E fui um declamador razoavelmente respeitado dizendo versos de Augusto dos Anjos de maneira dramática: Ah, um urubu pousou na minha sorte!. Augusto não era apreciado pelas adolescentes da minha época. Achavam o poeta fúnebre, o que não se pode negar que tenha sido. Com dois versos de um dos seus sonetos, as jovens arregalavam os olhos de espanto e dúvida:
Falas de amor, eu ouço tudo e calo.
O amor na humanidade é uma mentira!
Meu Deus, isso abalava os corações juvenis e fazia com que muitas moças saíssem da sala, um pouco trêmulas, como se tivessem ouvido uma provocação inconveniente. Era um tempo de inocência, ainda que já circulassem, clandestinamente, livros como A Carne, de Júlio Ribeiro, publicado em 1888, vejam só! Ou Presença de Anita, de Mário Donato, que era lido, ou melhor, devorado, desde 1948, quando eu tinha 15 anos. Uma vizinha que tivemos em São Paulo, flagrada com o romance pelo noivo, teve o casamento cancelado pela família — isso um mês antes de subir ao altar. A razão era justa, diziam os pais da donzela: se a moça lia aquele romance condenado pela Igreja — que provocou até a excomunhão do autor —, então pessoa decente não haveria de ser.
Mas voltemos à poesia. Cheguei a declamar Mário de Andrade: A serra do Rola-Moça não tinha esse nome não!. Drummond:
Quando nasci, um anjo torto,desses que vivem na sombra, disse:
— Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
E Jorge de Lima com Tu queres ilha? Despe-te das coisas! E Bandeira, definitivo com: O que eu adoro em ti não é a tua beleza.
A beleza é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito. E a beleza é triste.
Não é triste em si, mas pelo que há nela
De fragilidade e de incerteza!
Meu Deus, que saudade da delicadeza e até mesmo da hipocrisia daqueles tempos! E parece que revejo minha mãe no centro da sala, com fundo musical da minha avó Leonor ao piano, dizendo estes versos de Gonçalves Dias:
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
de vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor!