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Manoel Carlos

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Lugares mágicos

Leia na crônica de Manoel Carlos

Por Manoel Carlos
26 jan 2018, 20h34
 (Léo Martins/Veja Rio)
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Quem não tem os seus?

Lugares que nos fazem suspirar de saudade do que ali se viveu há tantos e tantos anos? Namoradinhas que se mudaram para outra cidade ou simplesmente de bairro, de rua… Namoradinhas que se casaram com um rapaz mais afortunado que eu… Namoradinhas que morreram… deixando em mim uma doce lembrança; e que sessenta, setenta anos depois de um único beijo — ou nem isso! — me visitam na memória, e eu posso sentir seu suave perfume.

Quantas vezes, indo a São Paulo, a trabalho, não cruzei a cidade de ponta a ponta, tão somente para me deter diante da Igreja Santo Antônio do Pari, onde fui coroinha, congregado mariano e militante da Ação Católica? Quantas vezes? E só para estar lá, diante do altar sagrado, não mais que alguns minutos. Ou apenas para matar a saudade que tantas vezes sinto de mim mesmo, vendo os meninos de fita azul de mariano à volta do pescoço, o missal numa das mãos, enfileirados para a comunhão. Flertando com as meninas de fita branca de filha de Maria, enfileiradas de forma inversa, o que permitia, em determinado momento, que os meninos dessem de frente com as meninas, e aí então era um tal de piscar daqui, piscar dali, num início de namoro (quem sabe?) que podia acabar em casamento ou dar em nada. Eu mesmo tive namoros que começaram na missa das 8 e acabaram na missa das 11. Tão frágeis e tão eternos esses amores entre duas missas!

E, por esses olhares rápidos, descobria-se o mundo e pensava-se entender a vida e tudo o que nos ameaçaria, que estaria por vir na idade adulta. Tudo de que ainda não suspeitávamos, mas que existe abaixo da pele. O amor, a velhice e a morte.

São mesmo as lembranças que alimentam os sonhos: Kafka e a cidade de Praga. Borges e Buenos Aires. A Londres de Virginia Woolf. A Lisboa de Fernando Pessoa. A Paris de Sartre e Simone de Beauvoir, a Boston de Allan Poe… E ainda aproveitar para — no mínimo — atirar um olhar para a fachada do Cinema Rialto, onde assistíamos aos filmes de ação e de amor, vividos por Lana Turner, Lauren Bacall, Shirley Temple, Ingrid Bergman e tantas outras estrelas.

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Então, como resistir ao apelo da memória, que teima em reviver a juventude, os melhores momentos de uma longa vida, uma doença que nos persegue desde crianças? Disso tudo tirar do fundo das mais remotas lembranças um lugar reservado que nos tocou um dia e, num outro dia, muito tempo depois, vem à nossa procura e nos diz: “Estou aqui e quero ser lembrado para sempre”.

Um pequeno bairro de São Paulo e a vida triangular ligando a igreja, o cinema e a praça. Nada se perdeu. Tudo me pertence. E posso repetir com Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas: “O que lembro, tenho”.

***

É desses lugares inesquecíveis que nos fala o escritor espanhol Fernando Savater no seu livro Lugares Mágicos — Os Escritores e Suas Cidades, da L&PM Editores.

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