Do papa e outros papos
O primeiro papa do qual me lembro muito bem foi Eugênio Pacelli, entronizado como Pio XII, em 1939, e que morreu em 1958. Seu papado cobriu, portanto, parte da minha infância até a idade adulta. Foi reverenciado, como muitos outros. Minha mãe, por exemplo, fazia o sinal da cruz quando falava nos papas. Não só […]
O primeiro papa do qual me lembro muito bem foi Eugênio Pacelli, entronizado como Pio XII, em 1939, e que morreu em 1958. Seu papado cobriu, portanto, parte da minha infância até a idade adulta. Foi reverenciado, como muitos outros. Minha mãe, por exemplo, fazia o sinal da cruz quando falava nos papas. Não só ela, mas todos os católicos praticantes, como são chamados, até hoje, os que vão à missa, confessam, comungam, jejuam e seguem os Dez Mandamentos da lei de Deus.
Nunca me incluí nesse contingente, apesar dos quatro anos que vivi num internato de padres espanhóis, sem contar os tempos de coroinha e congregado mariano. Fui sempre um católico da boca para fora, chegando a dormir de roncar em algumas missas, omitindo pecados no confessionário, pecando contra a castidade. E uma vez mastiguei uma hóstia consagrada. Enfim: fui sempre um capeta que o tempo serenou.
Com a vinda ao Brasil do papa Francisco, por causa de seu carisma e simpatia, os papos religiosos voltaram às mesas familiares e às rodas de amigos, com muita gente se dando conta, pela primeira vez, da existência de uma autoridade de grande poder.
— Ele lidera mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo!
O comentário exclamativo era de um amigo que gostava de proclamar sua descrença religiosa. Eu só ouvia, sem saber se a informação era ou não correta. Mas um outro frequentador do círculo, um que nunca escondeu sua religiosidade, perguntava com ironia:
— Tá sabendo disso hoje?
— Tinha ouvido falar, li qualquer coisa, mas a fonte era sempre a Igreja Católica. E essa não é minha praia. Mas agora, com pesquisas oficiais e insuspeitas, confesso minha surpresa.
Alguém minimizou a grandeza da informação:
— Essa gente toda, 2 bilhões ou até mais, não congrega só católicos praticantes, mas toda e qualquer pessoa que se diz católica. Como a maioria.
— Mesmo assim. Se alguém se diz católico, está dizendo que não é protestante, nem budista, nem espírita.
O papo mudou de rumo:
— Espiritismo não é religião, é uma doutrina baseada na crença de que vivos e mortos se comunicam.
— Mas, já que você gosta tanto de pesquisa, fique sabendo que existem no mundo quase 20 milhões de espíritas.
E essa espécie de competição religiosa se alongou por quase toda a tarde. Quando saí do Severino, eles lá ficaram, abrindo uma segunda garrafa de vinho e sacando de vários argumentos que favoreciam uma ou outra religião.
Chegando em casa, pensei em consultar o Google, colher informações confiáveis etc., mas minha mulher, com seu bom-senso e sua objetividade, me fez desistir dessa busca:
— Para que vai se dar a esse trabalho? Religião é um tema inesgotável e não conclusivo porque se baseia na fé, e não em evidências.
Pensei no verso de Fernando Pessoa, que já citei aqui: “Nada se sabe, tudo se imagina”. Minha mulher completou:
— E fé é ausência de perguntas.
E emendou:
— Agora vamos jantar. Mandei fazer seu prato predileto.
E vieram as panquecas, que consumi com fervor quase religioso.