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Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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Nós, mulheres, damos conta, sim! E isso é libertador

Sobre a fantasia de que precisamos de um parceiro amoroso para nos ajudar a resolver nossas vidas e nos trazer segurança. Será mesmo?

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Atualizado em 22 abr 2021, 13h42 - Publicado em 22 abr 2021, 13h21

Andei me lembrando de uma situação que ocorreu há anos com uma grande amiga minha. Ela namorava um cara, e a relação estava bastante turbulenta, devido ao excesso de controle dele, de posse. Ele invadia o e-mail dela, cobrava explicações sobre tudo, passava dos limites.

Ela estava muito incomodada e estressada com esse comportamento opressor do namorado, mas ainda apegada ao lado divertido, bom de cama, carinhoso, prestativo e protetor dele. Principalmente ao lado prestativo e ao lado protetor. Ele de fato era um cara muito presente e que ajudava em muita coisa, e dava mesmo muito apoio emocional. Foi um parceiro bem “ponta firme” em toda a doença da mãe dela e no luto, que ainda estava sendo vivido intensamente. O namorado nitidamente gostava muito da minha amiga. Era um cara proativo na resolução de problemas e sempre disposto a apoiar e ajudar no que estivesse ao seu alcance. Mas, ao mesmo tempo em que ele solucionava vários problemas, causava muitos outros… Alguns deles bem mais angustiantes do que os “pepinos” iniciais.

Por achar que precisava dessa proteção que ele oferecia e dessa capacidade de resolver os problemas cotidianos, minha amiga não conseguia terminar a relação. Eu nunca mais me esqueci dessa luta interna que ela vivenciou, entre aguentar comportamentos e atitudes dele que lhe pareciam inaceitáveis, e ter que se deparar com esse desamparo, essa solidão e essa sobrecarga de tarefas e providências com as quais ela não se achava capaz de lidar.

Isso me marcou porque me identifiquei com aquele conflito. E porque vejo isso se repetir aos montes por aí, essa insegurança que nós mulheres temos de terminar uma relação, achando que vamos ficar desamparadas, ou, no caso das solteiras, a sensação que temos de estarmos já desamparadas por não termos um parceiro amoroso, e por isso precisarmos encontrar algum o quanto antes.

Mesmo quando o cara não é do tipo prestativo e não contribui em termos práticos, nos apegamos ao fato de que “temos alguém”. E isso já é muito forte. Ter alguém é ter a sensação de que alguém está ali para segurar nossa onda caso tenhamos algum percalço. A segurança emocional que sentimos por estarmos num relacionamento é enorme.

Paradoxalmente, muitas vezes o relacionamento é o maior dos nossos problemas. Observo com frequência mulheres dizendo que não estão bem em vários aspectos, que estão desestabilizadas, com baixa autoestima, inseguras. Mas elas não enxergam que, ao contrário do que pensam, seus parceiros não estão funcionando como um porto seguro. As relações amorosas estão sendo, na verdade, a maior causa da angústia sentida. É duro admitir, mas há momentos em que queremos o colo de nossos parceiros para males que eles próprios nos causam, ou que a relação vem gerando pela dinâmica que se estabeleceu.

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Minha amiga estava sofrendo com o luto da mãe e estava muito frágil. Contou para sua psiquiatra seu desconforto com as atitudes invasivas do namorado, e revelou que não conseguia terminar porque estava achando que iria para o fundo do poço, porque era ele quem estava segurando a barra dela, e que ajudava em tudo, inclusive nas questões da casa que ela havia herdado da mãe. A psiquiatra mapeou, então, tudo que ela havia colocado na categoria “não vou dar conta sozinha”, e passou uma lista de telefones, que incluía um mecânico de confiança, um eletricista, um técnico de informática, um advogado e uma empresa de segurança para instalar um circuito na casa em que ela morava sozinha, na qual se sentia vulnerável caso não estivesse acompanhada à noite.

A psiquiatra conseguiu “dar nome aos bois” e criar uma solução para cada problema citado pela minha amiga, sem que fosse preciso a ajuda do namorado.

Ela terminou o namoro. Resolveu cada um de seus problemas. E percebeu que o maior deles era acreditar que não teria condições de se virar sozinha.

Uma outra amiga minha comentou recentemente que estava incomodada porque se deu conta de que, em sua fantasia, ela não vai dar conta de fazer uma mudança de apartamento sozinha. Então vem adiando os planos, esperando para ver se acontece dela namorar. Eu já pensei nisso mil vezes também. Que não daria conta de uma mudança sozinha. Mudança inclui reforma e providências quase infinitas, e também mobiliza muitas emoções, já que há nesse pacote várias despedidas e expectativas. Por todo esse cenário, a existência de um parceiro amoroso parece fazer muita diferença. Ele pode não ser um cara prático, pode não ser um Rodrigo Hilbert (provavelmente não é mesmo…) e pode ser que nem ajude carregando as caixas ou pendurando quadros, mas a simples existência dessa figura quase mitológica parece nos confortar.

Para muitas mulheres, estar numa relação amorosa é estar mais segura. Ela faz tudo que ela faria sozinha, mas acha que tem uma rede de proteção. Não tem garantia nenhuma, mas sente ter. Tendo “alguém”, nos sentimos menos amedrontadas. Se algo acontecer, teremos suporte.

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Muitos relacionamentos se baseiam no medo do futuro. A pessoa pensa em terminar, acha que a relação não está satisfatória, mas em sua mente fértil começam as perguntas catastróficas. Mas, E SE eu adoecer? E SE eu estiver muito triste? E SE eu ficar muito sozinha? E SE eu ficar desempregada e sem grana? E SE eu ficar velha e ninguém me quiser? E SE eu passar por um luto, como vou aguentar sem alguém para me apoiar?

Montamos os piores cenários, e com isso os homens se tornam indispensáveis. Mas pode ser que nenhum dos “E SE” aconteçam. Ou que, caso ocorressem, nem fosse o nosso parceiro o porto seguro tão imaginado. Poderia ser inclusive motivo de decepção.

Um tempo atrás, comentei com a minha analista, quando estava refletindo se deveria terminar meu namoro, que tinha medo de não poder contar com o apoio dele caso eu ficasse mal por alguma razão. Ela respondeu: “então não fique”. A resposta me surpreendeu. Esvaziou a importância dele e focou na minha força. Entendi o recado.

Contei hoje para minha amiga que estava escrevendo sobre a história dela com a psiquiatra. Ela se empolgou ao falar novamente desse momento, que acabou sendo um antes e depois na vida dela, uma sacada que se tornou emblemática para nós duas. Essa história volta sempre que nos vemos caindo de novo na mesma armadilha de acreditar que não damos conta sozinhas. Ela descreve esse momento como uma grande libertação. Minha amiga nunca foi dependente, mas antes achava que era. Agora sabe que dá conta. Está casada, mas é claramente uma mulher livre.

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