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Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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A arte de recomeçar

O recomeço tem uma emoção especial. É futuro e passado ao mesmo tempo. É dor e esperança. Quais foram os seus recomeços?

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Atualizado em 7 fev 2020, 19h33 - Publicado em 7 fev 2020, 18h33

Todo mundo tá cansado de saber. Tudo na vida tem um começo e tem um fim. Mas e o tal do recomeço?

O recomeço é um conceito meio esquisitão. Pensa bem. É um começar, de novo. Então tem algo de inédito, mas carrega um passado junto. Tem algo muito especial no recomeço, uma emoção só dele.

O começo de algo vem cheio de expectativa e curiosidade. Cheio de gás, de empolgação. Começar é se aventurar. O recomeço é bem diferente. Tem uma dor envolvida. Algo se encerrou, algo se perdeu no caminho. Alguma frustração, tristeza ou luto ocorreu, e deixou uma marca.

No recomeço algo fica pra trás. O começo é todo voltado pra frente, ele segue o curso natural das coisas. Já o recomeço tem isso: dá uma mão para o futuro, carregando uma bagagem na outra. O recomeço vem com uma bagagem, no mínimo, média. Mochilinha não cabe aqui nesse conceito. Roupa do corpo, bolsa de mão ou mochila leve, são coisas de começo.

Enquanto o começo tem a ver com novos fatos, o recomeço tem a ver com uma nova perspectiva. No recomeço há uma reconstrução do olhar, uma retomada em outros termos de uma história que já existiu de alguma maneira. Todo recomeço tem em seu caminho algum grau de receio, de inquietude, de ansiedade, de angústia.

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Em todo recomeço há um luto e todo luto é um recomeço. Forçado na maior parte das vezes. E a pessoa se vê ali, à beira do abismo emocional.

O recomeço é das coisas mais lindas que existe. Exige coragem, desejo de viver, de lutar, de reconquistar, de ser feliz. Novamente. Mas sabendo que nunca mais daquele mesmo jeito. Vai ser de outro. O recomeço implica sempre numa chacoalhada na identidade da pessoa. Quem recomeça teve que refletir muito, repensar, reavaliar, mudar, sofrer. Sempre tem uma transformação. E uma imensa esperança.

Já vivi alguns recomeços. Recomeçar a vida sem meu pai. Que vida é essa agora? Quem sou eu agora depois dessa perda? A vida de antes tinha ficado para trás. Não era mais a mesma. Isso também acontece em separações e términos de longos relacionamentos. Aquela vida, daquele modo, não existe mais. É preciso se reinventar. Aí você pode dizer: Ah, mas a vida muda o tempo todo, então todo dia é um recomeço… E eu, pessoa autocontrolada que sou, vou segurar a resposta desbocada que eu gostaria de dar e dizer: “É, de certa forma sim… ”. Sabendo que quem viveu um recomeço, para valer, sabe do que estou falando. O recomeço exige um fôlego extra, não é para amadores.

Acabei de passar por uma cirurgia seguida de um tratamento para um câncer. Que porrada. E olha que foi em estágio inicial. Fico pensando em quem descobre em outra etapa. Nesse período, recebi apoio enorme e inesquecível de todos que me cercam. Alguns apoios especiais também de pessoas que não conheço sequer pessoalmente, ou conheço pouco, mas que passaram por experiências semelhantes. Tenho uma gratidão infinita a cada uma delas e a cada palavra ou gesto que recebi.

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Uma dessas pessoas é uma amiga antiga, da vida toda, que passou também no ano passado por um grande “perrengue”. No caso dela, um procedimento cardíaco em que ela precisou dar um “reboot” no coração. Sabe aquilo que a gente faz com o computador ou com o celular?  Ou quando a internet “dá pau” e você desliga o modem por uns segundos para ver se volta a funcionar? Ela teve que fazer isso no coração. Até eu tremi nas bases quando soube como seria. Imagina ela.

Falamos algumas vezes antes da minha cirurgia. Ela me deu muita força e me ajudou a me manter confiante. Um mês e alguns dias após a retirada do meu tumor, fiz aniversário. Recebi por WhatsApp uma mensagem dessa minha amiga. Uma foto dela – uma mulher que sempre foi workaholic, frenética e voltada para as conquistas profissionais acima de tudo – em Noronha. O namorado deve ter tirado a foto, não sei se ela estava ciente ou não. Ela bem distante, de costas. Sentada diante do horizonte, observando e desfrutando o momento. Vocês devem estar imaginando uma foto de Instagram. Até poderia ser, não fosse o fato de ser o exato oposto de tudo que vemos em rede social. Era ela ali, olhando mesmo, pra valer, sem pose, a natureza deslumbrante, a vida que arrebata apesar de tudo. Talvez se tivesse sido postada e eu não soubesse de nada que ela viveu, eu teria enxergado de outra forma. Mas eu sabia o contexto e a mensagem implícita quando ela me mandou a foto e escreveu (entre outras palavras fofas e emojis carinhosos): “Feliz renascimento”. Só quem sabe o que é renascer, ter um novo olhar diante da vida, sabe o quanto faz diferença termos companhia nessa jornada.

Quando a Veja Rio parou de ser veiculada, em 2018, eu tinha acabado de começar a escrever aqui na coluna. Escrevi apenas duas crônicas. Estava empolgadíssima, e o encerramento foi uma espécie de coito interrompido. Lamentei mais do que tudo o fechamento dessa revista que é a cara do Rio e que levanta o astral dos cariocas. Achei simbólico estarmos sem a Vejinha num momento em que a cidade sofre tanto. Parecia que as luzes estavam se apagando. Mas retomadas como essa nos fazem ganhar ânimo novo e ver esperança no futuro da cidade. O recomeço da Veja Rio está chegando paralelamente ao meu. Quando soube que poderia voltar a escrever para o site, fiquei emocionada. A emoção dos recomeços. Que a gente tenha aqui um espaço para muitas trocas, e tudo mais que houver de bom. Desejo para a Veja Rio (e para o Rio) o que minha amiga me desejou e me fez tão bem: um feliz renascimento.

Luisa Mascarenhas é psicóloga, escritora e roteirista. Criadora da página de humor Pirei Online (no Facebook e Instagram) e autora do livro “A Vida Virtual Como Ela É”.

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