Rafael Dragaud: Casamento — entre tempestades e dias perfeitos
Entre a descrença de Luana Piovani e a renovação de votos de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, um olhar sobre o casamento como ele é

Casamento: para uns, um eletrodoméstico obsoleto; para outros, uma máquina de sonhos que o cotidiano teima em queimar e o amor insiste em fazer funcionar.
Na última semana, o Brasil assistiu a dois espetáculos sentimentais de sinais trocados.
De um lado, Luana Piovani, firme e convicta, tratando o casamento como quem olha para um eletrodoméstico antigo: ocupa espaço, desperdiça energia, e ninguém sabe mais para que serve. No podcast “DR: Discutindo Relações”, ela foi ainda mais direta, chamando o casamento de “roubada” e questionando se os homens realmente se apaixonam. Ela tem todo o direito e talvez até razão para si.
Do outro, Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank celebrando 15 anos de união com uma renovação de votos que parecia saída de um comercial de felicidade. Eu estava lá. E confesso: poucas vezes vi algo que me lembrasse tanto “Perfect Day”, canção de Lou Reed que evoco em dias… perfeitos. E foi isso mesmo: não uma “perfect life”, pois a tempestade também já passou por ali, mas a decisão de viver um dia perfeito. Com sol, música, abraços, amigos e aquela atmosfera que faz a gente acreditar que o amor tem futuro. E a vida presta.
Eu, que já fui casado… bem, vamos dizer “quatro ou cinco” vezes, para não entrar em auditoria, olhava aquilo tudo com um misto de ternura e cumplicidade. Hoje, estou casado. E feliz. Melhor ainda: acho que minha mulher também está; afinal seguimos juntos — com dias bons, dias difíceis e outros de “deixa pra lá”. E mesmo assim, quando refazemos as contas, segue valendo a pena conjugar nosso amor em longo gerúndio.
Então, quem tem razão? Luana, com seu passaporte carimbado para a liberdade? Eu, com meu histórico de altos e baixos? Ou Bruno e Giovanna, brindando ao amor duradouro?
É curioso como, mesmo ocupando extremos tão diferentes, todos falam da mesma coisa com a mesma intensidade. Segundo Luana, “homem não se apaixona por ninguém, só vê o buraco e enfia o pau” — cito assim, cru, não porque concordo, mas para mostrar como ela vê os homens. Todos. Eu inclusive. Para ela, a monogamia vira um juramento sem verdade, e nisso ela parece incluir, não tenho certeza, o desejo feminino. É uma visão dura, mas honesta com o que ela pensa do amor.
Interessante que, falando assim dos homens, Luana me lembrou justamente… homens. Quantos não vi dizendo “mulher não presta”, assim generalizando, caricaturizando, e fechando questão. Não faz sentido nem de um lado, nem do outro. Mas para muito além do sentido, devo confessar que fica a sensação que o difícil mesmo é saber se a ferida fez o corte ou se o corte fez a ferida.
Bruno e Giovanna, ao contrário, insistem que o amor pode ser um jardim: desses que a gente cuida todo dia, que floresce mesmo depois da chuva forte. A renovação de votos deles foi um manifesto: o amor permanece, mas se reinventa. É fácil olhar para o casal e pensar “parece comercial”. Mas talvez seja isso mesmo. Por que mesmo a vida não pode ser bonita como um comercial? Concordei, aliviado, quando vi Alain de Botton dizendo que a beleza tem uma função ética e utópica, pois mostra como a vida deveria ser. E é isso que Bruno e Giovanna fazem: inspiram, como um bom poema.
Rubem Alves, em textos que refletem sobre o amor e o casamento, diz: “O amor não é promessa. Não existe promessa que dure para sempre. O amor existe somente no momento presente. O que dura é o compromisso, o contrato.” Já Carlos Drummond de Andrade diz: “O amor é um privilégio que só se aprende com o tempo, com a poesia de afetos que nasce da convivência.” Duas visões que se completam: o amor como chama presente e como verso que se escreve devagar.
No fundo, cada um desses olhares (o da Luana, o do Bruno, o da Giovana, o meu, o da minha mulher, o de Rubem Alves, o de Drummond) carrega a marca de quem viveu o que viveu. A gente sempre quer que a nossa experiência vire regra geral, quer que o nosso jeito de amar seja o certo, que a nossa família seja o modelo. Mas talvez a graça seja justamente não ter manual, ou talvez seja como o “CASAMENTO”, poema de Adélia Prado:
“Meu marido, se quiser pescar, que pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.”
Ali está a resposta: parceria sem subalternidade, cumplicidade sem idealização, amor que se manifesta no silêncio. Ou naquele barco que a gente escolhe remar — não porque o mar esteja sempre calmo, mas porque, de alguma forma misteriosa, aquela embarcação se tornou o nosso lugar no mundo.
Rafael Dragaud é roteirista, diretor do show da turnê “Tempo Rei”, de Gilberto Gil, trabalhou na Globo por mais ou menos 30 anos como diretor-executivo do núcleo de variedades da emissora, responsável por programas, como “Conversa com Bial”, “Mais Você”, “Encontro”, “É de Casa” e “Altas Horas”.