Tem coisa mais inútil e irrelevante que um bando de marmanjos discutindo numa mesa-redonda, depois do jogo, se a bola entrou ou não entrou, se Tiago Felipe está numa boa fase, se o bandeirinha errou ao marcar o impedimento ou se quem errou foi o VAR?
Futebol não tem margem para subjetividade. É jogado com uma bola, não com um gato de Schroedinger, que possa ter entrado e não ter entrado ao mesmo tempo.
E, no entanto, proliferam na televisão programas em que especialistas – normalmente senhores próximos da andropausa e de camisa azul – sentados à volta de uma mesa (que nunca é redonda) ou espalhados por sofás, debatem acaloradamente – e falando todos ao mesmo tempo – detalhes que só eles viram, dos quais todos os outros discordam, e que não vão mudar em nada o resultado do jogo.
E os aficionados (eu, por exemplo) de esportes mais intelectuais e nem por isso menos emocionantes, como o crapô e a paciência – como é que ficam?
Após cada partida, perdida ou ganha (esses jogos não admitem empate), simplesmente recolho o baralho à gaveta da mesinha de cabeceira e vou dormir. Mas poderia perfeitamente ligar a tevê e assistir ao “Barrigada ao vivo” na Globo, ao “Matando a paus” no SportTV, ao “Espadas de Ouros” no SBT ou ao “Rodada de ases” na Band.
– Bem, amigos, estamos aqui para mais um “Cartas na mesa”, ao vivo, pelo ESPN, após esta vergonhosa derrota do Eduardo para si mesmo nesta partida de paciência que acabamos de assistir. O que você achou da performance desta quarta-feira, Petrônio?
– Boa noite, J.C, boa noite amigos do esporte. O que vimos foi um vexame. Colocar aquele nove de espadas em cima do dez de copas quando era claramente mais vantajoso colocar o nove de paus…
– Aí eu discordo, Petrônio. Embaixo do nove de paus tinha um valete de espadas, que não teria qualquer serventia imediata, enquanto o nove de paus prendia o rei de ouros que bloqueava um três de copas, absolutamente necessário ao desenvolvimento da part…
– E qual era a perspectiva, àquela altura do jogo, de abrir uma casa para colocar o rei? Já tinham sido viradas 22 cartas, era óbvio que o outro três de copas aparecer e liberar o naipe era questão de temp…
– Com apenas três ases na mesa, Petrônio? Com o jogo preso daquele jeito? Está claro que ele se embaralhou todo!
– Temos aqui um tuíte do nosso telespectador Antônio Carlos, de Valinhos, SP. Ele pergunta: “Olá, pessoal do “Cartas na mesa”, sou fã de vocês, e tenho uma pergunta. Aquela jogada em que ele deixou de colocar a dama de copas que tinha virado, reservando o rei para uma outra dama de copas que ainda estava embaixo do oito de espadas, prendendo o ás de ouros? Aquilo foi uma barrigada ou estratégia para facilitar a liberação do ás?” Obrigado por sua participação, Antônio Carlos. Abraço grande aí pra turma de Valinhos, que sempre nos assiste. Pode isso, Osvaldo?
– Boa noite, Petrônio, J.C, eu queria falar uma coisa. A paciência não é um jogo de sorte, é um jogo que envolve logística, premeditação, e muitas vezes é preciso perder uma oportunidade aqui para viabilizar outra mais adiante. Isso que o nosso telespectador de Valinhos levantou mostra bem…
– Aquilo foi barrigada, J.C.! Barrigada! Estava claro, no decorrer da partida, que ele ainda não tinha percebido o ás preso. Estratégia de jogo coisa nenhuma. Foi erro gritante, desatenção, uma falha imperdoável num jogador desse naipe, com esse retrospec…
– Alguém que faz uma jogada magistral como aquela de trazer primeiro o sete de ouros pra cima do oito de paus, e só então puxar o quatro de copas, você acha que…
– Jogada magistral? Ora, tenha a santa paciência!
– Bem, amigos, vamos para um rápido intervalo e logo retornamos com o “Cartas na mesa”, com o ex-campeão brasileiro de Spider, Petrônio Canastra, e o campeão sul-americano de Freecell, Osvaldo Copag, analisando esta emocionante derrota do Eduardo para si mesmo – e vamos ver no replay se houve mesmo um vacilo naquele lance da dama de copas. Até já!