Opinião, por Cláudia Schroeder: “A censura hipócrita está na moda?”
Por que falar de sexualidade, algo tão “perigoso”, assunto que sempre foi um grande tabu? Nós, mulheres, sofremos essa repressão há milênios.
“Cláudia, mas você viveu o que escreveu aqui?”, “Leia para nós aquele poema em que você se agarrou com um homem no banheiro de uma empresa”, “Que sexy, quero conhecer você” são alguns exemplos de perguntas, pedidos e abordagens que chegam até mim, desde que comecei a publicar livros e expor minha poesia (visual também) nas redes sociais. Tudo porque um de meus principais temas é o erotismo — no sentido amplo da palavra — e porque se trata de uma mulher escrevendo poesia e fotografando seu próprio corpo para acompanhar seus poemas nas redes. Penso que um autor homem não seria abordado dessa forma.
Desde que comecei a publicar, sinto ainda mais forte na pele o machismo estrutural, a força do patriarcado. Minha alegria é não ser geral: existem homens e mulheres incríveis que me acompanham, que admiram o que faço. Alguns chegam a me dizer que se libertaram com a ajuda da minha poesia. Por isso eu sigo, pois penso que é para isso que a poesia existe: para tocar as pessoas, incitar reflexões, transformar pensamentos e ações, mostrar o que estávamos apenas olhando sem estarmos, de fato, vendo.
Mas por que falar de sexualidade, algo tão “perigoso”, assunto que sempre foi um grande tabu? Exatamente por isso. Nós, mulheres, sofremos essa repressão há milênios; somos instruídas a cruzar as pernas, a não usar determinado tipo de roupa, a não sair por aí tarde da noite, a aprender a servir o outro — tudo isso em vez de os homens serem instruídos a nos respeitar. Confesso que não tive uma educação machista: minha mãe e meu pai nunca me reprimiram. No entanto, vivi e vivo em uma sociedade impregnada por essa cultura, na qual mulheres não são contratadas porque podem ter filhos ou mortas por ciúme. E ainda aceitam relacionamentos doentios, vivem histórias abusivas e falsas, e continuam nelas, fingindo não saber.
Em março, mês da mulher, uma fotografia e um poema foram removidos e censurados numa rede social, alegando que havia nudez. Eu nunca imaginei precisar escrever tais palavras, usando números (para burlar as regras das redes, muita gente usa números em vez de palavras tidas como “proibidas”). A fotografia tem menos pele que qualquer outra publicada durante o carnaval. Não tem bunda, como vemos em shows de alguns estilos musicais, não há mamilos femininos visíveis, mas eu só podia publicá-la borrada, saturada, com a tal palavra cobrindo a imagem. E o poema tinha a palavra nudez porque é sobre isso que ele faz uma reflexão. A censura hipócrita está na moda? A arte deixou de ser livre? A literatura passou a ter regras? Estamos em 2024, e a humanidade não para de se superar, criando algoritmos, máquinas cruéis, adubando o medo, a falta de sensibilidade, a desinformação. Seguimos apesar de tudo.
Minha poesia pretende lidar com todas essas questões. No meu mais recente livro, “Gatos falando alemão”, tento desnudar o cotidiano — até porque o erotismo está em nosso dia a dia; é algo natural em nossa vida e deveria ser visto de maneira mais bonita, porque realmente é. Minha poesia aponta para diversas verdades: desde histórias de mulheres livres, de relacionamentos que podem ser bonitos e consensuais em cenários vistos como pornográficos, das questões de gênero (pois não há gênero para o amor), dos falsos casamentos que seguem como se o mundo não soubesse que ali não há felicidade. Alguns leitores me falam que a força da minha poesia é expor, sem rodeios, as verdades das relações, mas principalmente da possibilidade tão importante de uma mulher se amar e olhar com generosidade para o seu próprio corpo.
E foi por ser lida e conversar com mulheres que vi o quanto é imenso esse universo feminino reprimido e triste. Senti que, através da minha poesia e da fotografia, estava mostrando a elas a possibilidade de gostar de si mesmas de modo verdadeiro, de se dar prazer, de saber que a felicidade não está em projetá-la no outro, mas primeiro em nós. Comecei fazendo encontros com mulheres, lendo poesia e expondo fotografias em pequenos grupos, até chegar a grupos maiores. Hoje, faço conversas, vivências e palestras para mulheres e também para homens; afinal, eles precisam entender essas mudanças para acompanhar suas parceiras nesse novo caminho.
E depois de tanto mergulhar nesse universo feminino, resolvi criar um podcast a fim de dialogar com homens heterossexuais sobre o machismo e a liberdade feminina, para tentar equilibrar essa gangorra que tende a nos deixar rente ao chão. “Eles olham pra Elas” está na primeira temporada. Entrevistei quatro homens, entre eles o escritor José Falero, que acaba de lançar um livro sobre masculinidade tóxica, chamado “Vera” (Todavia).
E assim sigo, escrevendo sobre esse e outros temas que não estão distantes, como a maternidade, a passagem do tempo no corpo e na alma, as relações familiares e seus rastros em nossa vida. Isso porque a poesia me domina e eu me entrego a ela desde o primeiro poema que escrevi ainda sem saber o que era ser, de verdade, uma mulher.
Cláudia Schroeder é gaúcha, vive e trabalha em Porto Alegre. Escreveu quatro livros de poesia, sendo um deles infantil, além de ter participado de diversas coletâneas. Acaba de lançar “Gatos falando alemão”. Além de poetisa, Cláudia é estrategista criativa, palestrante sobre temas femininos e entrevistadora do podcast “Eles olham pra Elas”, em sua primeira temporada no YouTube e no Spotify.