Mari Vidal (chef): “Paris me mostrou como é tosco o etarismo nas Américas”
Nosso Rio é onde se compra por melhor preço as havaianas e as cachaças que enlouquecem os parisienses
Em um mundo ideal, estalaríamos os dedos e aterrissaríamos nas cidades que mais amamos no planeta e portanto, viver aqui ou ali, não faria tanta diferença. Se eu pudesse, iria à Paris umas quatro vezes por ano para respirar o ar de uma cidade que me coloca em conexão com as coisas que eu mais amo viver. E foi escrevendo o meu terceiro livro, “Saboreando Paris”, que eu percebi que cada pessoa ama Paris de um jeito próprio, porque existe uma “Paris” para cada um.
Como nos meus outros livros, procurei retratar a cidade que cresceu dentro de mim e contar nossas histórias juntas. Como se pode imaginar, se fosse um guia ou roteiro, nasceria por si só incompleto, obsoleto e interminável, já que além de uma visão pessoal, a cidade é efêmera e as suas narrativas seguem incessantemente sendo contadas a cada garfada ou a cada rolha de vinho que se extrai. Uma infinidade de situações pairam concomitantemente sobre esse palco de guerras, derrotas e glórias, onde a humanidade viu nascer muito do que seriam diretrizes do “novo”.
Paris dita, o mundo segue. A cidade por vezes cinzenta mas que invariavelmente impõe sobre si cores vibrantes e dias ensolarados, torna-se parte da vida de quem lá pisa. Comigo foi o começo da minha trajetória na gastronomia e onde, a cada ida, me sentia mais cozinheira, mesmo quando ainda não o era oficialmente. Interpretar e buscar o simples foram diretrizes que determinaram desde cedo para que lado eu levaria a minha cozinha. Por que traçar um caminho de invencionices se o meu bufê tinha a inesgotável Paris como inspiração? Escolhi pelo respeito aos clássicos, ainda que ame os frutos da minha terra e tente associá-los ao que a França me ensinou. Por Paris passou minha juventude de sonhos, uma temporada pós-mestrado em Washington DC, infindáveis viagens de pesquisa e uma de trabalho depois que comecei a cozinhar profissionalmente. Me aconcheguei em vários endereços do caracol com as minhas filhas, e, em um deles, por num mês com a mais nova, a vi descobrir cada canto, desbravar uma nova cidade e locomover-se pela primeira vez sem adultos.
A cidade-luz permitiu alegrias nas quatro estações do ano com o homem que se tornará em breve meu futuro marido, mas já havia antes feito de mim uma mulher capaz de viver apenas com a minha própria companhia. Com o inevitável passar dos anos, Paris me fez atenta ao envelhecimento, à forma como as mulheres francesas amadurecem e como é tosco o etarismo nas Américas. Aprendi a comprar menos, conservar mais, esperar pela hora certa de degustar cada coisa, da fruta ao pão, do queijo ao vinho, cada coisa no tempo certo, porque em Paris tudo “fermenta” e a sociedade preza pela organicidade de tudo que é possível. E se tudo parece uma festa, observamos já por várias gerações a transformação de um povo que abriga com dificuldade a imigração maciça em fuga de guerras e perseguições. Os franceses hoje se dividem entre os ideais revolucionários que tornou a França um pouco mais dos sans culottes e derrubou a monarquia, e a decisão complexa de o que fazer com os sans papiers. Como o resto do mundo, Paris também se combate e se divide não apenas geograficamente, mas socialmente, entre radicais droite ou gauche.
Aprendi a amar a Paris contemporânea mesmo com todas as mazelas e entendi que apenas uma cidade assim avant-garde poderia induzir comportamentos com tanta elegância, como faz há tantos anos. Não desejo explicar coisa alguma sobre o assunto nem catequizar ninguém. Não é a minha intenção catalogar ou relatar qualquer experiência no grand monde parisien.
Não desejo fazer parte de um grupo, até porque mesmo em matéria de restaurantes, vou até onde meu bolso aguenta. Quis apenas ver de perto e me emocionar com tudo aquilo que me faz brilhar tanto os olhos além da Torre, do Sena, da vista de Montmartre ou escrevendo sentada na cadeira de um café. Apesar de não podemos “estalar os dedos” e estar em Paris, os voos da Air France – ô Glória! – separam as duas cidades que mais amo no mundo por apenas 11 horas, sem hub paulista e sem hub europeu.
Nosso Rio também se torna um pouco mais parisiense quando preserva fachadas de imóveis antigos ou quando os restaurantes e cafés colocam mesas nas ruas — acredito nisso sim, e podem me julgar. Nosso Rio é onde se compra por melhor preço as havaianas e as cachaças que enlouquecem os parisienses. Nosso Rio é, sobretudo, cada vez mais parisiense quando os cariocas conseguem aplicar aqui as regras de cultura, sustentabilidade e empatia que tanto admiram na cidade-luz.
A carioca Mariana Daiha Vidal é formada em Direito, mas apaixonada pela gastronomia desde a adolescência. Fez diversos cursos na área quando morava em Washington D.C. No começo de 2009 criou, com dois sócios, o bufê 3 Na Cozinha. Hoje ela tem o Bufê da chef Mari Vidal e dá cursos na área, além de três livros: “Saboreando o Rio” (Senac), “Saboreando Lisboa”, e agora “Saboreando Paris”, que será lançado nesta segunda (08/12), com contos e receitas, com fotos de Isabel Becker e prefácio de Martha Medeiros, na Argumento do Leblon.
Ilha de Paquetá renova os ares e vira destino alternativo para os cariocas
Alta performance para a gastronomia profissional
Árvore de Natal da Lagoa: O que você precisa saber antes da inauguração
O papelão da FIFA no sorteio da Copa do Mundo
O corretor que vendeu a casa de Ângela Diniz, em Búzios





