De Próprio Punho, por Verônica Sabino: “É o nosso encontro marcado”
"Canções que brotam de dentro e também as que chegam de fora: pelo rádio, numa conversa, numa ideia solta"

Penso nas canções. Elas chegam flutuando, com suas poesias, melodias, histórias de ontem e de hoje — e enchem meus dias de som. Canções que brotam de dentro e chegam de fora: pelo rádio, numa conversa, numa ideia solta. Com antenas sempre ligadas, sigo atenta aos sinais. Assim vai se tecendo a rede de parceiros, músicos, artistas e profissionais incríveis que trazem para a vida o que nasce do coração. Tenho a sorte de tê-los por perto. Encontros — esse é meu alimento vital.
Começo pelo encontro com a obra de Chico Buarque, no ano passado. E que encontro! Ídolo absoluto, eu tinha pudor de dedicar um show inteiro ao Chico. Talvez por respeito diante da grandeza dessa presença na nossa música. Mas confesso: demorei tempo demais para dar esse mergulho. A comemoração dos 80 anos do Chico me deu o empurrão. Pensei: “Este Chico agora é meu!”. Assim nasceu o show Todo Sentimento — nome da canção que gravei para a trilha de Vale Tudo e que se tornou um sucesso no rádio, até hoje. Tenho muito orgulho desse momento.
No palco, as canções se sucedem lindamente, o público canta junto, e vira celebração. É o encontro com o Brasil em sua essência — aquele Brasil de tantas belezas que precisamos ativar em tempos tão delicados. Para mim, cantar Chico é realizar um sonho antigo: essas músicas são a trilha do filme da minha vida. E, percebo, da vida do público também. Estamos sendo felizes, com todo sentimento.
Outro encontro especial é com o grupo Conexão Rio, formado por quatro amigos (André Cechinel (piano), Fernando Barroso (baixo), Fernando Clark (guitarra) e Zé Mário (bateria). Vinha sendo sonhado e agora, finalmente, vai acontecer. Subo com eles ao palco do Teatro Rival no próximo dia 2 de outubro para realizar um projeto que sempre quis: um show de sambalanço. O clima é de puro swing: Ben Jor, Erasmo Carlos, Orlandivo, Simonal… Mas ninguém é de ferro, então também temos baladas de amor — Tim, Roberto, o Rei. E uma homenagem afetuosa a duas divas que são referência para mim: Dóris Monteiro e Elza Soares. Lembro da primeira vez que vi Elza no programa do Chacrinha, ainda criança. Foi uma aparição. Nunca esqueci o vestido coberto de franjas brilhantes que cintilavam a cada molejo.
Mas o encontro mais profundo veio este ano, com os estudos. Porque escrita e afeto dançam entrelaçados na minha vida desde sempre. A leitura, quase um vício na infância e adolescência, me fez melhor, maior e mais feliz. E me trouxe de volta, adulta, à faculdade: depois de quatro anos, estou me graduando em Letras.
Devorava livros como quem devora doces — vorazmente. Meu pai alimentava esse vício com prazer cúmplice. Tive a sorte de ser filha de um grande escritor (Fernando Sabino). Só isso já seria motivo de celebração, mas havia mais: ele era também uma figura rara, sensível, íntegra, comprometida com todos — filhos, amigos, desconhecidos, do jornaleiro ao rei da Inglaterra. Por isso, retomar a faculdade trancada na juventude e me graduar décadas depois é tão emocionante. É como se a Verônica de hoje estendesse a mão àquela de ontem, que havia interrompido os estudos para ser sequestrada pela música. “Já volto”, ela pensou. Demorou, mas voltamos.
Com a monografia dedicada à poesia nas canções, uni literatura e música — minhas duas paixões. Queria poder mostrar esse trabalho ao meu pai, que sempre foi minha maior torcida. Mas sinto, de forma sutil, que ele está feliz por mim. É o nosso Encontro Marcado.
Verônica Sabino é cantora e se apresenta na próxima quinta (02/10), no Teatro Rival, com o grupo Conexão Rio.
