Crônica, por Eduardo Affonso: O cliente nunca tem razão
O slogan “O cliente sempre tem razão” foi inventado na Europa, no início do século XX. Ainda não havia Procon nem Reclame Aqui
O slogan “O cliente sempre tem razão” foi inventado na Europa, no início do século XX. Ainda não havia Procon nem Reclame Aqui, mas alguns comerciantes intuíram que o cliente não era um inimigo, um estorvo, e que tratá-lo mais ou menos bem não custava mais e ainda dava lucro.
O original “The customer is always right” virou “Der Kunde ist König” (“O cliente é rei”) em alemão e “Le client n’a jamais tort” (“O cliente nunca está errado”) em francês.
Talvez por confusão do tradutor, no Brasil se adotou “O cliente nunca tem razão” ou “O cliente está sempre errado”. E vai ser difícil mudar essa cultura e convencer o lojista ou o vendedor de que dá mais trabalho conquistar um novo cliente que manter o antigo.
Durante muito tempo, fui assinante do GLOBO e Folha de S. Paulo – ainda no tempo do jornal de papel (seus avós devem se lembrar dessa época). O GLOBO era deixado na porta, logo cedo. A Folha eu tinha de pegar na portaria. Então lia as notícias cariocas durante o café da manhã, e as paulistas logo depois, quando chegava ao escritório. Isto se às 10h a Folha já tivesse sido entregue, o que nem sempre acontecia.
Cansado de ler a Folha só no fim do dia, ao voltar para casa, liguei para o jornal, reclamando do horário inconstante da entrega.
– O senhor mora aonde? – perguntou a atendente, sem atentar para a diferença entre “onde” e “aonde” (mas, como não era por escrito, nem reparei).
– Barra da Tijuca.
– Ah, então a culpa não é nossa. O senhor é que mora longe.
Cancelei a assinatura.
Também assinava a Piauí, leitura prazerosa que durava um mês inteiro. Quer dizer, quando entregavam. Porque a chegada da revista às minhas mãos era intermitente. Ligava para reclamar, e ficavam de estender minha assinatura para compensar o exemplar não recebido. A cada não-entrega, a assinatura aumentava um pouco. Antes que se tornasse infinita, perdi a paciência.
– Não podemos fazer nada. Se o senhor não está recebendo é porque algum vizinho está roubando na sua porta.
– A revista é entregue ao porteiro.
– Deve ter ladrão na portaria.
Cancelei a assinatura da Piauí.
Assim como cancelei a da Veja quando liguei, uma vez, para verificar até quando iria assinatura. Falei com uma atendente, passei todos os dados e ela me transferiu para outra pessoa.
– Preciso do seu nome, endereço e CPF.
– Acabei de informar tudo isso…
– Mas eu estou mandando informar de novo.
Adeus, Veja.
Hoje é tudo digital. Chega pontualmente à meia-noite (mesmo eu morando onde Judas espetou o pé no estrepe, depois de ter perdido as botas 10 km atrás) e os ladrões têm de se contentar em roubar folhetos de propaganda. Livrei-me também das atendentes mal-educadas (deve ser uma vida dura, essa de tratar mal todo mundo o dia inteiro).
Mas na semana passada comprei um notebook, pela Amazon. No site, a informação era que a entrega seria no mesmo dia. Como precisava para ontem, paguei à vista, via Pix, chamei o técnico para fazer a instalação de alguns programas e… dois dias depois, nada de o equipamento chegar.
Nenhuma previsão.
Nenhuma justificativa.
Nenhuma possibilidade de rastreio.
A única resposta era que eu deveria esperar uma semana e, se o pacote não chegasse, pedir o reembolso (que levaria outros sete dias).
Cancelei a compra e pedi o ressarcimento. Cadê que a Amazon fez? Quando liguei, mais uma vez, para cobrar o reembolso, ainda tiveram a pachorra de perguntar se eu não queria refazer o pedido. Não, não queria. Só então devolveram o valor pago. Sem qualquer explicação para a não entrega do notebook ou para o “esquecimento” do reembolso.
Dizem que nos Estados Unidos não é assim que a banda toca. Mas a Amazon se aclimatou bem em terras brasileiras, pegou o “jeitinho”, perdeu o respeito pelo consumidor. Seu slogan, “Tudo pra você, de A a Z” faz sentido: vai de abuso a zombaria – passando por um alfabeto inteiro de desconsideração.
“Quem o cliente acha que é para ter algum direito, só porque pagou?” deve ser a nova versão de “The customer is always right”.
Um dia a gente arruma alguém que traduza a frase ao pé da letra.
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