Crônica, por Eduardo Affonso: EstartApps de futuro
Se eu tivesse dinheiro, aplicaria em um aplicativo

Se eu tivesse dinheiro, aplicaria em um aplicativo.
Claro que para cada aplicativo que dá certo há milhares de aplicativos que dão errado.
Como é que a gente ia adivinhar que táxi pirata podia virar um negócio bilionário? Que alugar vaga em casa de família ia transformar alguém em magnata?
Se a grana é curta para investir em algo muito bem pensado, com um mega modelo de negócios, o negócio é partir para estartapes mais pé no chão, daquelas em quem ninguém leva fé.
Todo mundo tem meia desemparelhada. Todo mundo, menos eu, que compro logo 10 pares do mesmo modelo e assim uma pode acasalar com essa num dia e com outra no dia seguinte, como se minha gaveta fosse uma filial do mundo artístico.
Pois bem. Fotografe suas meias avulsas, faça uma breve descrição (“Marrom, canelada, calcanhar levemente esgarçado, furo imperceptível na altura do canto esquerdo do dedão – ou do direito do mindinho”) e poste no MeiApp®, o aplicativo de emparelhamento de meias. Você pode optar por comprar o pé que lhe falta, vender o seu pé que sobra ou fazer escambo (um preto por um marrom, quatro azuis por um preto, nove lilases com carinhas de palhaço daqueles do Justin Trudeau por qualquer pé de meia de homem adulto etc.).
Quem investir comigo fica com 20% do valor da transação (no caso do escambo, aceitam-se pés de meia bege como pagamento), mais o frete.
No mesmo conceito, tem t-App-oé®, o aplicativo de troca de tapoés sem tampa por tampas sem tapoé. Com uma franquia voltada para as classes C, D, E, F e G, que inclui potes de margarina, de sorvete etc.
Por fim, pensei num aplicativo menos mercantilista e mais socialmente engajado, a ser utilizado para dividir contas com base em critérios progressistas de dívida histórica.
Você sai com amigos, pede uma pizza em oito fatias e uma Coca litro. São dois casais à mesa, cada pessoa come duas fatias e toma dois copos (caso bem hipotético, porque tem sempre um que come mais). Como dividir?
“Por quatro”, diria um fascista.
“Por dois”, diria um machista (os homens racham a conta enquanto as mulheres vão ao banheiro).
“Deixa que eu pago”, diria quem convidou, esperando que ninguém aceite a proposta.
Tudo errado. Uma calculadora ou uma caneta + pedaço de guardanapo (se um dos quatro tiver frequentado a escola no século passado) não dão conta da complexidade da operação.
Mulheres só tiveram direito a voto no século 19. Ganham, em média, 20% a menos que os homens. Têm cólica, estria, dão à luz, precisam usar sutiã, salto alto, depilar virilha, carregar bolsa… Não, não é justo que paguem o mesmo preço que os homens.
Como dividir uma conta, equitativamente, entre um homem branco gay, uma mulher hétero pluçaize, um não binário preto e uma trans oriental?
O aplicativo PapelTesouraPedrApp® (baseado naquela brincadeira em que a pedra amassa a tesoura que corta o papel que embrulha a pedra) resolve o imbróglio sem acusações mútuas de misoginia, xenofobia, gordofobia e afins.
Branco paga mais que preto, que paga menos que oriental, que paga mais que árabe.
Homem paga mais que mulher, e não binário paga menos ainda.
Hétero paga mais que gay, e bi paga a média dos dois.
Crossdresser paga mais que trans, e agênero paga o mesmo que genderfluid — dependendo de para que lado o genderfluid estiver fluindo no momento.
Mas paga-se quanto mais, ou quanto menos? Aí é que a porca torce o rabo e entra o pulo do gato. O aplicativo, valendo-se de um algoritmo justiceiro, leva em conta todas as variáveis e evita que amizades sejam rompidas por causa de uma meio calabresa meio quatro queijos.
– Por que estamos pagando o mesmo valor se você só é bi quando fuma maconha e, mesmo assim, nem beija direito?
– Ah, é? E você, que entrou na Federal fora do sistema de cotas? E nem pense que me engana com esse sobrepeso: sei que isso são apenas ossos largos…
O PapelTesouraPedrApp® utiliza tecnologia de reconhecimento facial e análise de postagens em rede social. Quem fez o L paga menos que quem votou no PL, que paga mais que quem votou em branco, que paga 75% de quem anulou o voto (ou o contrário, a depender das próximas eleições). Vegano paga a metade do vegetariano, que paga um terço de um carnívoro (menos na pizza marguerita, claro, porque aí é sacanagem).
Se você perdeu o bonde do Airbnb e da Uber, o MeiApp®, o t-App-oé® e o PapelTesouraPedrApp® são sua chance de tirar o atraso e o pé da lama.
Invista djá!
