Crônica, por Eduardo Affonso: Black&Deckerless Day
Se me aparecesse um gênio, daqueles aprisionados numa garrafa e me oferecesse os três pedidos de praxe, eu não vacilaria
Se me aparecesse um gênio, daqueles aprisionados numa garrafa (que não sei por que inventaram de chamar de lâmpada) e me oferecesse os três pedidos de praxe, eu não vacilaria.
Não pediria paz no mundo (o que seria dos noticiários, da ONU, dos líderes pacifistas?). Nem mudanças anatômicas (ainda que mais ombro e menos barriga me caíssem bem) ou amor eterno (de que adianta o amor ser eterno se eu não sou?).
Não: pediria um dia sem furadeira. Ou, já que moro na Barra, um black&deckerless day. Um só dia sem rangido nenhum de alguém furando paredes horas a fio.
Seria demais querer que, nesse mesmo dia, tampouco houvesse uso de martelo, marreta, martelete, maquita, serra tico-tico, cortador de grama, soprador de folha ou carro de ferro velho. Uma coisa de cada vez, para não sobrecarregar o gênio.
Tolstói só escreveu “Guerra e Paz” porque não morava na Barra. Aqui, não teria paz para concluir as 1.215 páginas – e o título seria apenas “Guerra”. Disso (da guerra contra a tranquilidade, o bem-estar, o sono e a leitura) ele entenderia.
Jamais Dostoiévski conceberia “Crime e castigo” vivendo num condomínio com quadras, piscinas, churrasqueiras e pleigraundes – tudo isso cheio de gente incapaz de usar esses equipamentos de forma civilizada. O livro se chamaria “Crime”: Raskólnikov mataria quem quer que se manifestasse um tom acima de 80 decibéis – ou seja, não sobraria vivalma. E seu castigo seria se mudar para outro condomínio, também na Barra, e também com “área de lazer completa”.
E me pergunto (obviamente sem a menor esperança de obter resposta): que tanto essa gente fura, ininterruptamente? Terá tanta peça decorativa em casa, para precisar de tanta estante? (Porque para livro, definitivamente, não há de ser.) Trocará de armário segundas, quartas e sextas? Estará pendurando na sala a mesma quantidade de obras do Louvre?
Morasse na Barra, R. L. Stevenson teria para o monstro muito mais inspiração que para o médico. Hemingway só se dedicaria ao velho, porque o mar estaria inacessível, com a areia tomada de gente com caixas de som. Nem Dan Brown conseguiria obrar seus best sellers: haveria anjos de menos e demônios demais.
Ao gênio, eu não pediria fama, fortuna, fartura. Não. Como Tim Maia, diria que só quero sossego para escrever esta crônica dominical – enquanto ponho ruído branco, em volume máximo, no fone de ouvido, ou a crônica não sai.
O que me conforta é que, vivendo aqui, Jane Austen não teria sequer começado “Razão e sensibilidade”: na primeira semana perderia a razão; na segunda, se arrependeria de ter nascido com alguma sensibilidade.
William Faulkner é que se daria bem. Para se inspirar e escrever “O som e a fúria”, não haveria lugar melhor.
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