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Gustavo Pinheiro

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“Dark” é a Dias Ferreira

A calçada é dividida por quem já tomou a vacina e por quem ainda está apavorado com o vírus

Por Gustavo Pinheiro
Atualizado em 9 set 2020, 10h36 - Publicado em 8 set 2020, 15h12
Cariocas estão divididos em três grupos: os que ainda estão trancados em casa, os que engatinham na tentativa de retomar a rotina e os que já tomaram a vacina e não contaram para ninguém. (Bianca Smanio/Reprodução)
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Você já deve ter ouvido falar em “Dark”, a série alemã do Netflix que estreou a terceira temporada há pouco tempo. Ambientada na cidade fictícia de Winden, seus moradores começam a descobrir estranhas conexões entre algumas famílias, que envolvem suspeitas existenciais sobre o tempo e teorias da física em tramas que se entrelaçam nos anos de 1954, 1987 e 2020. Pode parecer complexo ou entediante. Complexo sim, entediante nunca. “O segredo é não tentar entender”, me aconselhou uma amiga, fã da série.

“Dark” me voltou à memória no último final de semana, vendo as fotos de aglomerações nas praias e bares do Rio. Os cariocas estão divididos em três grupos vivendo realidades paralelas: os que ainda estão trancados em casa saindo apenas para o essencial; os que engatinham na tentativa de retomar uma rotina com segurança e aqueles que já tomaram a vacina e não contaram para ninguém.

Estamos em cartaz com uma peça de teatro, com transmissão via streaming. Teatro vazio, apenas a equipe técnica presente, todos de máscara, álcool gel pra todo lado. Ao final de cada sessão, pedimos para o público abrir suas câmera e vemos centenas de espectadores em suas casas. É emocionante. A sensação é que estamos juntos nesta tormenta e sairemos dela também juntos, apesar de 130 mil mortos até aqui.

Mas toda esperança romântica escorre pelo primeiro bueiro da Dias Ferreira quando, ao sair do teatro, descobrimos que já é Carnaval no Rio. Centenas (ou seriam milhares?) de jovens se aglomeram na calçada em frente aos bares como se a pandemia fosse um assunto que não os dissesse respeito.

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Não vou ser hipócrita: gosto de uma cervejinha. Não vou ser hipócrita de novo: já sentei em restaurante no último mês para tomar uma cerveja, comer uma empada e ter a leve (e falsa) sensação de normalidade, me valendo de todos os cuidados possíveis: distante das outras mesas e me servindo em abundância do álcool gel oferecido pelo estabelecimento. Ainda assim, bateu uma paranoia se seria mesmo seguro estar ali, por mim e pelos outros. Não durei muito tempo e voltei pra casa.

Então como é que as meninas de chapinha e tamanco e o rapazes de músculos entalados em camisetas Calvin Klein não ficam tensos entre dezenas de rodinhas de desconhecidos? Estavam todos de quarentena juntos em alguma rave na Zona Oeste? São cobaias da vacina russa? Não entendo. Para se manter são, talvez o melhor seja seguir o conselho da amiga: o segredo é não tentar entender.

Gustavo Pinheiro é dramaturgo e roteirista.

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