A busca pela juventude eterna no filme ‘A Substância’
Visão brutal da perfeição, filme propõe reflexão sobre a importância de estar bem emocionalmente ao aderir a qualquer tratamento de beleza
Considerado forte concorrente ao Oscar, o filme A Substância, estrelado por Demi Moore e Margaret Qualley, põe em questão a busca pela beleza e eterna juventude. Embora seja um longa-metragem de público mais específico, por ser do gênero terror – mais especificamente de um novo gênero chamado body horror feminista –, a trama tem gerado discussões. Através de muitas metáforas e simbolismo, a trama apresenta discussões relevantes para a sociedade atual como o etarismo, os padrões inatingíveis de beleza, a depressão e os transtornos alimentares, a objetificação da imagem da mulher e a dismorfia corporal.
A personagem principal é Elisabeth Sparkle, uma apresentadora de programas fitness, uma celebridade em declínio. No início da trama, ela é demitida para ser substituída por uma mulher mais jovem. Desesperada, conhece um tratamento clandestino chamado A Substância que promete replicar suas células, criando uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma. Ela experimenta a droga e suas duas versões passam a coexistir, alternando-se por 7 dias.
Diante da pressão externa, a personagem se impõe uma pressão exacerbada interna e se torna seu principal algoz. Mas Sparkle é, na verdade, vítima da estrutura do sistema de celebridades, ávido por uma novidade e por um padrão inatingível de beleza e cheio de preconceitos em relação ao envelhecimento.
O ditado popular é sábio: quando o milagre é demais, o santo desconfia. Perante a promessa milagrosa de beleza, a protagonista se arrisca sem pensar demais. Ela se impressiona com a propaganda: “Você precisa experimentar este novo produto. Mudou minha vida. Ele gera outro você. Um você novo, mais jovem, bonito, mais perfeito. E há apenas uma regra: vocês dividem o tempo. Fácil, certo?”. Quem nunca viu esse tipo de propaganda nas redes sociais, anunciando dietas, remédios, programa de exercícios, produtos de cabelo e de pele?
Isso nos leva a refletir sobre algo que ocorre com frequência. Pessoas que se submetem a medicações que prometem milagres sem acompanhamento médico. Ou que fazem procedimentos com descontos e promoções atraentes sem desconfiar de golpes. Ou ainda que fazem tratamentos e cirurgias sem pesquisar o médico e sem refletir com atenção sobre as decisões e consequências. É fundamental estar bem emocionalmente ao aderir a qualquer tratamento de beleza.
Embora não seja citado no filme, Sparkle parece ter todos os sintomas de um transtorno psicológico considerado obsessivo-compulsivo: dismorfia corporal. Ele ocorre quando existe uma preocupação excessiva com a imagem e o corpo e uma hipervalorização de pequenas imperfeições ou mesmo criando “defeitos” onde não existem. O resultado é uma autoestima bastante fragilizada a ponto de afetar a vida pessoal, social e profissional. O tratamento deve ser orientado por psiquiatra e psicoterapia, e a cirurgia plástica pode auxiliar no processo.
Dentre os sintomas da dismorfia corporal, está o ato de se olhar demais no espelho ou de evitar completamente se ver no espelho. Isso acaba rendendo uma das cenas mais fortes do filme, quando Demi Moore está se maquiando diante do espelho (foto acima) e, perdendo o controle emocional diante de sua imagem, tira com agressividade a maquiagem, como se tentasse apagar sua existência.
A figura do médico não existe no filme, muito menos de um psicólogo. O espaço de escuta de um consultório onde se trata questões estéticas – recurso que a protagonista não busca – é de acolhimento. Em alguns casos, quando se faz necessário, um médico experiente pode detectar a necessidade de encaminhar para terapia, propondo um tratamento multidisciplinar, às vezes até com outros profissionais, como psicólogos e outras especialidades médicas.
No caso da cirurgia plástica, o papel do médico não é fazer o que a paciente deseja, mas sim orientar e até mesmo dizer não quando isso se faz necessário. O filme é uma visão brutal e fantasiosa da busca pela perfeição, mas propõe uma importante reflexão sobre tratar aquilo que te incomoda de forma segura e também saudável emocionalmente. Podemos ser nossa melhor versão, mas isso precisa estar alinhado com a saúde mental e a manutenção de uma boa autoestima. O essencial é o bem-estar como um todo. Beleza e saúde mental andam de mãos dadas.
Guilherme Ferretti é médico e cirurgião plástico. Membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Atua na cirurgia de contorno corporal, estética, reparadora e lesões de pele e tem mais de uma década de experiência na especialidade da cirurgia plástica reparadora pós-bariátrica. Siga: Instagram e Canal Youtube