Submarina
Estranho ano este. O primeiro semestre foi dragado pelo ser ou não ser do impeachment. Chegamos ao fim de agosto ainda à espera de uma definição. Os problemas pessoais todos jogados para escanteio, diante das grandes definições políticas e econômicas do país. A Olimpíada, à maneira do circo romano, nos abstraiu da tragédia institucional por […]
O primeiro semestre foi dragado pelo ser ou não ser do impeachment. Chegamos ao fim de agosto ainda à espera de uma definição. Os problemas pessoais todos jogados para escanteio, diante das grandes definições políticas e econômicas do país. A Olimpíada, à maneira do circo romano, nos abstraiu da tragédia institucional por breves trinta dias. Ainda contabilizávamos as medalhas quando o pugilismo no Senado nos trouxe de volta para a desgraça habitual.
Escrevo na manhã de segunda, com os olhos na televisão, acompanhando o depoimento de Dilma no Senado. Faz um dia glorioso de sol lá fora, que contrasta com o clima de guilhotina que assola a nação.
Depois de meses enredada na crise, alienei-me, confesso. Mal acabados os Jogos, embarquei para Fernando de Noronha, onde passei sete dias com o nariz enfiado numa máscara de mergulho, à procura de seres marinhos que ignoram os desvãos da superfície.
Eu não pisava na ilha havia quatro anos. As restrições ao turismo estão cada vez mais severas — e é bom que estejam, pois o aumento no número de visitantes, desde a primeira vez que lá estive, vinte anos atrás, é notável. Noronha, no entanto, continua maior do que o homem.
Bastam algumas horas no arquipélago para que a cabeça se volte para a variação da maré, para as fases da lua e as diferentes constelações do céu. Fenômenos que regem a vida no planeta, mas que seres urbanos, como eu e você, teimam em ignorar.
Noronha é agreste, selvagem. As tempestades vêm e vão ao sabor do vento forte, e o mar oceânico, fora da delicada faixa protegida pelas rochas vulcânicas, é de um azul profundo de dimensão assustadora. Trata-se de um lugar ativo, que nada tem das bucólicas praias do Nordeste. Dos penhascos, é possível assistir à cruza de tubarões na maré-cheia, tartarugas vindo à tona respirar e golfinhos a dar saltos triplos no ar.
Choca, naquela ilha, o desprezo que a vida marítima tem pelo que se passa na terra. Numa simples volta de snorkel, esbarra-se com tartarugas, polvos, moreias, peixes de todas as cores e tamanhos, lagostas, arraias-prego, manteiga, chita e tubarões de recife, limão e lixa, todos alheios aos nossos problemas mundanos. A apneia é o mais eficaz calmante psicoativo já inventado.
Meu amigo Léo, do Tubalhau, nos levou para pescar num cabeço no meio do mar, a uma hora e meia da ilha. Ondas de 2 metros levantavam e baixavam o casco da frágil embarcação; os molinetes armados na popa, à espera de que um peixão mordiscasse o corrico. Foi uma pesca fraca, levamos de volta uma barracuda e uma cavala de 20 quilos, maior que meu filho de 8 anos.
Com o mesmo Léo, saímos para marcar tubarões, num projeto de pesquisa de uma universidade de Recife, para mapear a população dos gigantes. O espinhel, varal de anzóis que antes servia para matá-los, fisga-os, agora, para estudo. Um tubarão-limão de 2,5 metros foi trazido para o barco, medido, pesado, marcado e devolvido ao mar. Jamais esquecerei.
E foi assim que adiei o quanto pude o retorno à realidade cruel. De volta, assisto à defesa de Dilma, pensando no quão afastados estamos daquilo que se chama vida.