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Santo Antônio

Confesso. Eu jamais havia visitado o Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca. E continuo sem conhecer o de São Francisco, vizinho ao primeiro, que estava fechado no domingo de sol em que foi celebrada a união de um casal de amigos queridos, juntos no civil há mais de vinte anos. Para os que […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h28 - Publicado em 2 jul 2016, 01h00
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Confesso.

Eu jamais havia visitado o Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca. E continuo sem conhecer o de São Francisco, vizinho ao primeiro, que estava fechado no domingo de sol em que foi celebrada a união de um casal de amigos queridos, juntos no civil há mais de vinte anos.

Para os que nunca subiram a escadaria, deixo aqui o conselho: subam. Para os que preferirem pegar o elevador, parem para admirar as ilustrações do corredor de acesso, que contam a história da ocupação do largo.

Em 1608, a Cinelândia ainda era lagoa. Da pequena capela erguida na encosta, viam-se o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara. As águas foram sendo canalizadas aos poucos e o charco, aterrado. Hoje, a construção do século XVII está rodeada de arranha-céus. Foi-se a vista, mas o contraste entre o Rio de antes e o de agora é bonito.

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O conjunto arquitetônico, que não foi incluído nos planos orçamentários de recuperação do Centro, precisa de reforma urgente. Rachaduras, vazamentos e vigas à mostra são a prova do esquecimento.

Apesar do abandono, o altar barroco não perdeu o esplendor, nem o pátio interno, onde foi servido o almoço logo após a comovente cerimônia.

Foi a primeira vez que acompanhei a liturgia de um matrimônio estabelecido, com filhos e anos de parceria sob o mesmo teto.

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Frei José Pereira celebrou a missa. Experiente e inspirado, o clérigo nada tem da frieza comum aos sacerdotes católicos. Ele soube, como poucos, dirigir o rito aos cônjuges e aos presentes. Ciente da história de vida do casal, uniu amigos e parentes numa celebração informal memorável.

Tenho dificuldade de me solidarizar com a mensagem dos padres. Ela parece sempre saída do fundo da Idade Média, distante da moral e do tempo em que vivo. O sotaque dos párocos também contribui para a sensação de ladainha sem fim do sermão. Frei José Pereira é diferente. Dono de uma voz quente e vibrante, prega para ser ouvido e compreendido. É um ator com talento de traduzir a grandeza das falas e dizê-las como que pela primeira vez.

O ritual da confirmação de um casamento é mais bonito do que o das bodas dos jovens incautos. Feito para aqueles que conhecem as agruras e os prazeres de uma convivência duradoura, não se baseia num laço hipotético, ideal, mas sim no amor consciente.

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Mantenham-se unidos, disse o frei, mas não se transformem em um só. Cultivem as diferenças e a distância saudável. O cipreste não cresce à sombra do carvalho. Eu, que acreditava que a Igreja defendia o indissolúvel dois em um, saí surpresa e emocionada.

Padres como José Pereira, capazes de fazer a ponte com o presente e falar a língua dos homens, são raros. O papa Francisco é um caso exemplar do poder desse carisma.

O Convento de Santo Antônio, testemunha de quatro séculos de história da nossa cidade, merece um obreiro dessa natureza. E obreiros de outra, acostumados à lida com o tijolo, o reboco, o prego e a madeira.

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