QI
Leia na crônica de Fernanda Torres
Uma amiga postou o teste de QI dela no Facebook, esfregando na cara do resto da humanidade a nota pra lá de cento e muitos que havia tirado. Mordi a isca e resolvi arriscar. Estava nos últimos dias de férias, com tempo para perder tempo.
Eram mais de sessenta charadas abstratas, com triângulos, quadrados, linhas e cinco opções de resposta, de A a E. Na vigésima, eu já estava fundindo os miolos. Desisti no meio, mas fui dormir com aquilo atravessado na goela. Dois dias depois, esperando dar a hora de ir para o aeroporto, selecionei um outro, de Harvard, ao qual procurei me dedicar com afinco.
Esse, mais concreto, se concentrava em perguntas lógicas do tipo: se nem todo beltrano é igual a fulano e todo fulano é igual a sicrano, pode-se dizer que nem todo beltrano é igual a sicrano, que todo sicrano é igual a beltrano, que fulano e sicrano são iguais a beltrano? E por aí vai. Outras envolviam cálculos matemáticos, como o da desgraça de um poste dividido em três partes, em que a primeira parte é igual ao quarto da segunda menos a terça parte da terceira. Tirei vexaminosos 107. Mosquei nas pegadinhas e só me saí bem nas poucas questões de letras embaralhadas, acertando com rapidez que EIBBZMAW é o nome de um país, ou coisa que o valha. Nessas, fui melhor do que 99,9% dos que se submeteram ao teste. Grande coisa…
Na abertura do site, Barack Obama, Sharon Stone, Quentin Tarantino e outros exemplos bem-sucedidos humilhavam com pontuações acima de 135, 140, enquanto eu desculpava minha pífia marca com o fato de ter feito o teste numa língua estrangeira.
Vil consolo.
A verdade é que não disponho de raciocínio lógico, admito. Jamais cheguei a compreender deveras a matemática, a física, e devo muito à decoreba. Sou limitada. Meu filho mais velho nasceu com o dom para números e entende aquelas questões cabeludas de aritmética, álgebra e geometria com um pé nas costas. Já minha mãe não acerta nem a direção de casa. O gene dele, é certo, não veio de mim.
Ando com ganas de repetir o teste — outro, porque não se pode refazer o mesmo. Deve-se aceitar o mau rendimento com a resignação de um condenado, mas o orgulho ferido insiste em me tentar, freado pelo receio de comprovar a burrice. Ser ou não ser tapado, eis a questão.
Pode ser que eu me saia melhor no teste de QI emocional, mas os arroubos de impaciência, a falta de altruísmo, a preguiça e a irritação talvez confirmem a mesma inaptidão que demonstrei no de raciocínio. E agora, José? Meto a viola no saco e dou por encerrado o assunto? Tomo todas e me perco no Carnaval carioca, mandando esses cientistas para o raio que os parta? Ou não?
Não. Repeti a arguição em português, não resisti. Tirei 136. Jogarei os humilhantes 107 na lata de lixo da história.
O ser humano não tem nenhum caráter.