Nostalgia
O Rio é a garota de Ipanema que embarangou, a Geni do Chico. E Nova York, a Miss América que engordou, afundada em Chanel, Versace e Prada
Eu estava em Nova York para lançar meu livro Fim, no Brooklyn Book Festival quando acordei com a notícia da guerra no Rio de Janeiro. Passei a manhã desesperada, monitorando meus filhos a distância.
A falência econômica, moral e ética do Rio contrasta em tudo com a prosperidade de Manhattan. O carioca vê sua cidade se transformar num fantasma triste do que já foi, enquanto a Big Apple se desfigura graças a uma corrida imobiliária jamais vista.
O mundo precisa de um freio.
Trump xinga Kim Jong-un na ONU, prometendo erradicar a Coreia do Norte do mapa, enquanto seu igual testa mísseis no Oriente. No Rio, a guerrilha armada se refugia na mata, deixando no ar a pergunta: é melhor morrer por bomba H ou por AR-15?
A casa de Sérgio Cabral foi leiloada com toda a tralha que tinha dentro. Bangu é a nova Angra dos Reis. A Rua 56, no uptown nova-iorquino, está fechada desde a eleição de Trump, como medida de proteção à sua private Tower. Está tudo torto e invertido. O interesse pessoal acima do comum.
Trump manda às favas o aquecimento global, e mal se controla para não apertar o botão vermelho. Cabral desviou fortunas que poderiam ter sido usadas para dar prosseguimento ao plano de ocupação das UPPs. O ex-governador trocou escolas, hospitais, esgoto e creches, que livrariam muitos jovens do crime, por Romeros Britto e Louboutins. Hoje, em vez de mofar num presídio que inaugurou, poderia estar orgulhoso de ter feito diferença num estado que o elegeu. Shame on you, Cabral, shame on you!
O Rio é a garota de Ipanema que embarangou, a Geni do Chico. E Nova York, a Miss América que engordou, afundada em Chanel, Versace e Prada.
A tragédia carioca é fruto de décadas de má administração, de pirataria da braba e de um populismo indecente. É fruto da criação de Brasília, que transformou o Rio num trampolim para candidatos oportunistas, ávidos por fazer parte de uma elite administrativa apartada do país.
Mas Nova York também piorou. A tolerância zero de Giuliani limpou a Alphabet City dos traficantes de drogas e gentrificou praças como Tompkin Square, que, quando eu morei aqui, era habitada por mendigos. Mas essa limpeza fez do Soho um duty free shop a céu aberto e deu lugar a uma especulação imobiliária que está superpopulando a ilha com arranha-céus espelhados de gosto para lá de duvidoso.
Entre tudo o que vi, a retrospectiva de Hélio Oiticica, no Whitney Museum, foi o que mais me tocou. No trabalho que encerra a mostra, Hélio escreve a Lígia Clark, dizendo que deseja voltar para o Brasil, pois sente-se aprisionado em Nova York. Diante do letreiro que menciona a correspondência, uma instalação evoca o Rio de Janeiro idílico. Trata-se de um labirinto de sarrafos, pano e plástico azuis, que lembra a precariedade das favelas cariocas, montado sobre uma caixa rasa de areia branca. Entra-se descalço no labirinto, pisando em pedras e água corrente. É uma obra que traduz, como poucas, a nostalgia da delicadeza de um Rio imemorial que não existe mais.