Imagem Blog

Fernanda Torres

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog da atriz Fernanda Torres
Continua após publicidade

Cascadura

"Cascadura tem se revelado uma surpresa mais que agradável", conta Fernanda Torres em crônica. A atriz tem gravado no local

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 Maio 2018, 07h30 - Publicado em 18 Maio 2018, 07h30
 (Isabelle Barreto/Veja Rio)
Continua após publicidade

Estou gravando uma participação na série Sob Pressão, num hospital centenário, no bairro de Cascadura.

Cruzar a Linha Amarela e a Vermelha, muitas vezes de madrugada, devido às cenas noturnas, me deixa mais do que apreensiva. Venho e vou calada, o coração na mão a cada engarrafamento. Será arrastão? Apesar do aperto, Cascadura tem se revelado uma surpresa mais que agradável.

Eu cresci na casa da minha avó, na Ilha; fiz um longa em Nilópolis e já me apresentei em Madureira, na Pavuna e em Marechal Hermes. Quando criança, costumava acompanhar meus pais nas turnês de teatro pela periferia do Rio, mas não conhecia Cascadura.

Todos os dias, a caminho do serviço, eu me surpreendo com a harmonia do bairro. As casas têm quintais generosos e exibem uma arquitetura elegante, diferente dos miseráveis caixotes de cimento armado e da pretensa modernidade dos pavorosos prédios espelhados que empesteiam o Brasil.

As moradias de Cascadura lembram a Tijuca da minha infância e evocam uma Zona Norte digna e humana, anterior à violência, à pobreza e ao descaso de agora.

Continua após a publicidade

Dos corredores abertos que ligam as diversas alas da principal locação da série, o Hospital Nossa Senhora das Dores, avista-se, ao longe, uma serra pedregosa coberta de mata, onde o sol se põe.

O prédio se localiza no alto de um morro, cercado por outros três, onde comunidades carentes construíram seus barracos. Mas até eles, os pequenos casebres, parecem mais sólidos e ordenados do que os que formam a imensidão da Rocinha, da Maré,
do Alemão, do Dona Marta e mesmo do Vidigal.

Às 6 da matina de um dia de filmagem, eu vinha no carro ainda sonada, admirando a civilidade daquela manhã. As pessoas no ponto de ônibus; as crianças a caminho da escola; vida normal, serena, quiçá próspera. Foi quando olhei para o lado e dei com uma pilha de pneus queimados.

As labaredas altas fechavam a entrada de uma rua que dava acesso a um dos morros. Quando me sentei para me maquiar, o barulho dos helicópteros deixava claro o alerta. Uma operação policial tentava controlar a tensão entre comunidades rivais, comandadas pela milícia e por diferentes facções. Os pneus haviam sido incendiados por ordem de um comandante do tráfico, para impedir a entrada dos policiais.

Continua após a publicidade

Meu delírio manso de um Rio pacífico, de um subúrbio possível, acabava ali, nos tiros, nos rasantes da PM e nas chamas da contravenção. Minto, meu delírio acaba todos os dias, cada vez que passo pelas linhas expressas que ligam a cidade, bordeando a imensidão de favelas, retrato da nossa desgraça social.

Meus pais migraram da Zona Norte para a Zona Sul. Sempre me senti entre lá e cá, criada do outro lado do túnel, mas educada em Ipanema. Talvez por isso eu continue apreciando as manhãs a caminho das gravações, observando as casas e os passantes de Cascadura, um lugar que guarda a alma do carioca que não nasceu do folclore da princesinha do mar.

O Rio já foi assim, não é mais.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 49,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.