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Por Fabio Szwarcwald, colecionador de arte e gestor cultural
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Rede Nami

Fundado em 2010 pela artista visual carioca Panmela Castro, projeto tem a arte como ferramenta de conscientização para atuar pelo fim da violência de gênero

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Atualizado em 10 ago 2022, 14h41 - Publicado em 10 ago 2022, 14h15

Ao acessar o site da Rede NAMI, o visitante recebe informações acerca das estatísticas nacionais sobre a violência contra a mulher, chanceladas por entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz. Você sabia que, durante a pandemia, a cada 24h, quatro mulheres foram mortas no Brasil? E que 70% das vítimas de agressão com armas de fogo, em 2019, eram mulheres negras?

Fundada em 2010 pela artista visual e ativista carioca Panmela Castro, a Rede NAMI é uma organização sem fins lucrativos, feita por e para mulheres, que se manifesta pelo fim da violência de gênero através da promoção dos direitos humanos. Tendo a arte como dispositivo de conscientização e fortalecimento, o projeto fomenta o protagonismo de mulheres negras por meio de práticas antirracistas e decoloniais.

A trajetória artística de Panmela Castro é indissociável de seu ativismo político e a NAMI parte de sua história pessoal, no subúrbio do Rio: em 2004, ela foi espancada por seu ex-companheiro e mantida em cárcere privado durante uma semana. Embora tenha prestado queixa na Delegacia da Mulher, o assédio permaneceu ostensivo e não houve punição para o agressor. A rede de proteção pra seguir em frente foi encontrada junto a grafiteiros, que atuam sempre em bandos tendo o território urbano como suporte.

Esta aproximação fez com que Panmela desenvolvesse, em 2008, uma metodologia que tem no grafite a ferramenta central de transformação social. Em 2010, ela fundou a Rede NAMI com o objetivo de informar sobre os tipos de violência contra a mulher, com base na Lei Maria da Penha sancionada em 2006 (que, aliás, completa 16 anos em nesse mês de agosto).

De lá pra cá, a iniciativa com sede na comunidade Tavares Bastos, no bairro do Catete, impactou diretamente mais de 10.000 pessoas. Implementando programas de conscientização, organizando exposições e murais públicos, e financiando a produção de obras de arte a partir de um pensamento decolonial, a Rede NAMI promove mudanças estruturais efetivas na sociedade.

Um exemplo disso é a atual Secretária municipal de Políticas de Promoção da Mulher, Joyce Trindade, que teve sua primeira formação em direitos humanos no projeto Afrografiteiras, em 2006, na NAMI.

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“Com inspiração na trajetória da Joyce, vamos abrir, no ano que vem, nosso primeiro curso formação: um curso de arte e direitos humanos, que prevê a representação de grupos sociais LGBTQIAP+. A ideia é formarmos pessoas que estejam aptas a furar as bolhas, ocupando os espaços de poder e colaborando efetivamente com o processo de transformação social”, diz a artista visual e ativista, que começou a estudar arte aos 9 anos em cursos livres na periferia do Rio e chegou à Escola de Belas Artes da UFRJ.

De acordo com Panmela, a demanda de candidatas às oficinas da Rede NAMI, por onde já passaram pessoas que ganharam projeção na cena artística nacional, é enorme: “O projeto chega a receber mais de 700 inscrições para cada curso com cerca de 60 vagas”.

Uma das “crias” da iniciativa é Priscila Rooxo, 21, nascida em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e moradora de Mesquita: “A importância da Rede Nami na minha vida é de base, foi um eixo fundamental. Por conta do canal de acolhimento e de conscientização que o projeto nos oferece, eu quebrei a estatística de engravidar na adolescência e de parar de estudar, como boa parte das minhas amigas”, conta Priscila, que chegou à NAMI aos 13 anos, inicialmente participando das oficinas de grafite e, mais tarde, se tornando professora e produtora da Rede.

“A Panmela ocupou um lugar de mãe na minha vida, me botou pra trabalhar diretamente com ela e essa fonte de renda foi determinante pra subsistência minha família. Ela também me ajudou a pensar minha carreira, foi quem me orientou a falar da minha vivência pessoal na minha pintura e do meu dia a dia na periferia. A Panmela me incentiva muito, contribui ativamente na projeção da minha carreira artística e me dá oportunidades que têm sido fundamentais, como foi o caso da minha exposição na ArtSampa, no estande da NAMI”, reconhece Rooxo que, a convite do curador Adriano Pedrosa, integra a coletiva Histórias Brasileiras, a ser inaugura agora em agosto, no MASP. Com o apoio da Rede NAMI, seu trabalho recebeu acompanhamento teórico da curadora Carolina Laureano e hoje compõe acervos de grandes colecionadores.

Panmela se tornou uma liderança de projeção internacional na promoção dos direitos da mulher. Seu foco atualmente se concentra na formação de novas multiplicadoras e no acolhimento a outras mulheres: “A NAMI realiza um trabalho de base, buscando estimular as potencialidades de grupos marginalizados pela sociedade em diversos âmbitos. Sob perspectivas decoloniais, reescrevemos uma história que inclua mulheres, pessoas LGBTQIAP+, artistas negros, indígenas e pessoas com deficiência, promovendo seus direitos através da arte”, afirma.

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Projetos como o Museu Vivo NAMI – circuito de 1km de murais a céu aberto, criado em 2013, na Tavares Bastos, que exibe a produção de grupos à margem da cena tradicional da arte, incluindo pessoas de todo o Brasil e do exterior – e o curso Hackeando o poder (que inclui a criação de um manual com táticas de guerrilhas para artistas do Sul global), chamaram a atenção de personalidades e entidades de diversas partes do mundo.

De fato, a atuação da Rede NAMI já acumula premiações e reconhecimentos que expressam a sua relevância: a iniciativa foi homenageada pela 12ª Bienal da UNE (2021) e premiada pelo The We Empower UN SDG Challenge /Vital Voices (2021). Foi finalista do Prêmio Atitude Carioca, na categoria “Quem faz diferente” (2021), e indicada para o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação (2020). Panmela chegou a ser laureada com o Vital Voices Global Leadership Awards, prêmio organizado por Hillary Clinton.

O engajamento alcançado pelo trabalho dela – que em 2012 entrou para o rol das “150 mulheres que abalaram o mundo”, segundo a revista norte-americana Newsweek – conquistou o apoio de artistas como Adriana Varejão, Jaime Lauriano e Marcela Cantuária. Em 2018, a NAMI recebeu a visita da ativista paquistanesa Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz.

Hoje representada pela galeria Luisa Strina, uma das mais importantes do mercado de arte de São Paulo, Panmela Castro constrói a sua poética a partir de diferentes linguagens, como a pintura, o grafite, performances e vídeos. Sua obra já foi exibida nos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha e Israel.

** Se você dirige ou integra um espaço independente de arte e experimentação, entre em contato com a coluna. Talvez possamos divulgá-lo aqui: fabio.vejario@gmail.com.

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