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Por Fabio Szwarcwald, colecionador de arte e gestor cultural
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Carnaval e arte: essa interseção dá samba?

Coluna conversa com o carnavalesco Leandro Vieira e a curadora Clarissa Diniz sobre a ficção carnavalesca e as “artes visuais brasileiras”

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Atualizado em 2 fev 2024, 11h05 - Publicado em 1 fev 2024, 18h49

A palavra “carnaval” tem suas origens no latim clássico, vem de “carnem” e “levare”, que significa “abster-se, afastar-se da carne”.

O carnaval brasileiro é uma das maiores e mais importantes expressões populares do mundo, que atravessa diversas linguagens artísticas. Nos desdobramentos da história, é possível perceber as influências estéticas que compõem essa catártica manifestação: a música, a dança, a exuberância das cores, alegorias, estandartes, objetos escultóricos, figurinos e croquis.

Diversas gerações de artistas, de correntes distintas, foram capturados pela temática: de Debret a Rafa Bqueer, passando por Tarsila, Di Cavalcanti, Portinari, Heitor dos Prazeres, Carlos Vergara, Beatriz Milhazes e Alair Gomes, entre tantos outros. Mas nenhuma figura personifica melhor a interseção entre arte e carnaval que Hélio Oiticica (1937-1980).

Em 1963, o carioca subiu o morro da Mangueira pela primeira vez, levado pelo escultor paraibano Jackson Ribeiro (1928 – 1997), à época assistente de Amilcar de Castro, artista convidado a criar as alegorias da Estação Primeira para o carnaval do ano seguinte. Esse encontro com o morro e o samba atravessou radicalmente a obra de H.O.

“Em Mangueira, na vida do morro, eu descobri o meu caminho.” (Hélio Oiticica em entrevista concedida a Norma Pereira Rêgo, em 1970).

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Foi em 1965, na exposição coletiva Opinião 65, no MAM Rio, que ele expôs seus Parangolés pela primeira vez. No dia da inauguração, já como integrante da Verde e Rosa, chegou ao museu vestido de passista, sambando e cantando acompanhado de parte da bateria e outros sambistas. Proibidos de entrar, ele seguiu com sua “ala” para os jardins, onde se apresentaram e foram aplaudidos pelo público.

No verão de 2021, com algum desejo de revisão tardia, em paralelo à exposição Hélio Oiticica: a dança na minha experiência, também no MAM Rio, convidamos o carnavalesco Leandro Vieira para curar a programação do museu em parceria com expoentes da tradicional escola carioca que apresentou oficinas, seminários e performances protagonizados por mestres da Estação Primeira, ao longo de três meses, valorizando seus saberes ancestrais: “A ideia foi ocupar o MAM com os saberes próprios do universo das escolas de samba através de um diálogo artístico plural com aqueles que são os detentores de um conhecimento específico nem sempre valorizado com a grandeza que merece”, relembra Leandro.

Vieira, hoje à frente da Imperatriz Leopoldinense, conversou com a coluna sobre o processo de concepção e construção artística dos desfiles:

“No trabalho que realizo, a narrativa é que dá o contorno visual de um discurso organizado para produzir visualidade. Exponho minhas intenções artísticas como quem ergue uma bandeira que se desdobra não apenas em alegorias mas, também, no traje que possibilita a ficção carnavalesca para milhares de indivíduos”, diz.

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Pergunto se podemos pensar o carnaval como uma espécie de suporte para a arte:

“O fato é que minha produção artística acabou traduzindo uma intenção autoral de realizar pintura a partir da performance coletiva de corpos em estados de fantasia. Quando penso o traje destinado ao brincante, penso num corpo em performance que faz com que signos visuais estejam em exposição. Trato meus desfiles como uma espécie de galeria sem paredes onde a pintura, a performance e a intenção plástica se derramam, enquanto os olhos dos expectadores tentam dar conta da apreciação daquilo que nasceu para experimentar a efemeridade do instante”, responde Leandro.

Um dos desafios que se impõem sobre essa questão é a transposição do efêmero e do êxtase ritualístico que se encena na Avenida para os espaços museológicos.

De acordo com a curadora e pesquisadora Clarissa Diniz, as relações entre as “artes visuais” e o carnaval, no Brasil, existem mesmo quando não são nominadas ou percebidas: “Posto que o carnaval é uma experiência artística que tem como base uma vivência social, percebo muito de sua força política na obra de artistas cuja produção pode, inclusive, não ter nada de esteticamente ‘carnavalesca’. Me refiro à força da profanação na arte brasileira, em seu interesse pela dinâmica dos contrários ou da contradição, na força do espaço público e das ruas, no protagonismo dos corpos, nas construções baseadas não apenas em estruturas narrativas, senão rítmicas, intensivas. Há muito de carnaval na forma como pensamos a produção, a circulação e os públicos das artes visuais”, afirma Clarissa.

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“Vejo o carnaval na crítica política, mas também no humor carnavalizado que tornou o Brasil um dos maiores produtores de memes do mundo. Enfim… Como prática social, política e estética, o carnaval contém em si grande parte da formação do que, por diferentes perspectivas, hoje podemos chamar de ‘artes visuais brasileiras’. E gosto de pensar que isso vai bem além de uma estética tropicalista. O Carnaval não é uma visualidade específica. Ele é, antes, um modo, uma forma de ser e estar, um mundo. E ele é muitos”, define a curadora.

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