Questão de família: os desafios impostos aos irmãos e pais de autistas
Vídeo do apresentador Marcos Mion explicando a viagem em família sem o filho autista apontou desafios sobre ter parente autista
De férias na Europa com a esposa e dois filhos, o apresentador Marcos Mion se viu obrigado a interromper o descanso e gravar um vídeo para responder ao público que o questionava sobre a ausência do filho autista nas férias familiares. O assunto e o vídeo causaram barulho nas redes sociais. O depoimento de Mion passou das 350 mil curtidas.
A explanação do apresentador foi uma verdadeira aula sobre quem lida com autistas no dia a dia. Mesmo sem dever satisfação da sua vida privada a ninguém, Mion adotou o gesto educacional de explicitar os muitos desafios que um filho no espectro autista impõe não apenas aos pais, mas também aos irmãos.
É impossível fazer uma generalização absoluta. Dentro de espectro, há desde os quadros mais graves aos mais leves. Estes, podem viajar com familiares e não apresentarem questões quanto à mudança de rotina. Porém, de um modo geral, autistas gostam de acordar e dormir no mesmo horário, sentem-se amparados ao reconhecerem sua cama e seu travesseiro, gostam de ter conhecimento e controle sobre o que vai acontecer ao longo do seu dia. Além disso, autistas tem restrições a ambientes barulhentos e, não raro, tem restrições alimentares difíceis de serem atendidas em uma viagem, por exemplo. Ou seja: o exato oposto do que pode ser sair de férias, sem saber o que vai acontecer nos próximos cinco minutos, dependendo do destino escolhido. O que era para ser um idílio, se torna um calvário. E não apenas para o autista, mas para todos que estão no seu entorno. Então, pra que expor o autista e seus familiares a esta situação contornável? Mion explicou que há as férias “com Romeo” e “sem o Romeo”.
Quem tem irmãos, sabe o quanto esta pode ser uma relação tensa, cercada de ciúmes. A situação é agravada se um deles está sob a condição de um transtorno que, de fato, requer mais dos pais. De acordo com o estudo “Qualidade de vida de irmãos de pacientes autistas”, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2005, irmãos de autistas tem uma qualidade de vida inferior comparando com aqueles que não tem irmãos sob esta condição.
A pesquisa “The Quality of Life Among Siblings of Autistic Individuals” (em tradução livre para português, “A qualidade de vida entre irmãos de indivíduos autistas”), esta de 2023, confirmou o que já havia sido apontado anos antes. Segundo os pesquisadores, a rede de apoio aos irmãos de autistas deve ser fundamental para o desenvolvimento das crianças. Eles apontam ainda que a condição de ser irmão não autista de um autista é frequentemente subestimada.
A causa de pacientes do espectro autismo deve muito a Mion e sua militância na área. Ao abrir sua intimidade – e de sua família – Mion prestou um serviço de utilidade pública. Na verdade, mais um serviço. Na medida em que o bolso e o tempo permitam, o comportamento de Mion é o ideal, em respeito a todos os membros da família. E aos que não contam com os mesmos recursos, o fundamental do recado do apresentador é respeitar as individualidades. Um simples passeio perto de casa com o filho não autista já será entendido por ele como um momento de atenção e dedicação exclusivas. Isso é o que importa.
Portanto, é fundamental dar atenção e suporte aos irmãos de crianças autistas. Em comparação, eles podem parecer mais auto suficientes e independentes, mas o ponto é que também tem suas necessidades, como qualquer outra criança.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).