A pandemia e as crianças órfãs
Estudo aponta que Brasil já tem mais de 130 mil órfãos em decorrência da Covid-19

Estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, publicado na revista científica “The Lancet”, mensurou a orfandade por conta da Covid-19. Os números são trágicos. A pandemia fez com que um milhão de crianças perdessem os pais. Outras 500 mil se viram sem os avós ou responsáveis para a Covid-19. O Brasil aparece na pesquisa como um dos países em que proporcionalmente a ocorrência é maior, com 130 mil crianças que perderam o principal responsável por seus cuidados, o que equivale a duas crianças a cada mil.
Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, as crianças que perderam um parente ou cuidador estão arriscadas a sofrerem efeitos adversos de curto e longo prazo sobre a sua saúde, segurança e bem-estar, como o aumento do risco de doenças, abusos físicos, violência sexual e gestação na adolescência. Aos parentes e responsáveis que passam a se encarregar dos cuidados com essas crianças, cabe aprender a administrar todas estas questões e mais – lidar e dar apoio ao luto das crianças.
O entendimento do conceito da morte muda à medida em que a criança vai crescendo. Até os quatro anos de idade, eles têm uma ideia limitada do que é a morte como uma ideia abstrata. De modo geral, o tema não tem a capacidade de gerar qualquer emoção especial sobre eles. A partir dos seis anos, a percepção infantil acerca do assunto já é mais concreta. Aos oito anos, há um amadurecimento sobre a morte e a criança passa a ser capaz de entender e aceitar que todo mundo vai morrer um dia, incluindo ela mesma.
No entanto, tudo muda quando a perda é do pai ou da mãe. São figuras centrais e fundadoras de quem somos. Portanto, deve ser permitido à criança viver o luto, independentemente da idade. Cada um tem a capacidade de lidar com a falta de uma forma diferente e no seu próprio tempo. Viver o luto possibilitará à criança elaborar a perda e se organizar mentalmente para seguir adiante.
É normal que as crianças enlutadas façam perguntas diante da falta do pai ou da mãe, que queiram saber onde eles estão e por que não voltam para casa. O diálogo claro, atendendo ao bom senso do limite das respostas, é fundamental.
Os adultos não devem se esforçar para escamotear a dor que estão sentindo. É a vivência do luto que possibilita que a dor da perda seja curada e se transforme apenas em saudade. Tentar esconder a tristeza da criança é como sinalizar que há algo de errado com aquele sentimento, o que não é verdade.
É importante que se respeite o tempo da criança. Falar sobre o ente perdido, valorizado sua existência, contando histórias sobre a pessoa, ajuda a criar ou manter a imagem positiva sobre o pai ou a mãe que partiu. É uma forma saudável de perenizar a vida do parente que se foi e ajuda a elaborar o luto de maneira concreta, natural e suportável.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).