“Má influência”: o que é a série da Netflix que desbancou “Adolescência”?
O desejo de ser influenciador acaba por comprometer a integridade psíquica de crianças e jovens

Cada vez mais, a saúde mental de crianças e adolescentes se mostra um tema de interesse do grande público, especialmente depois do trauma coletivo que foi a pandemia, em 2020. A série “Adolescência” conseguiu explorar com muita inteligência e bom gosto diversos aspectos da vida dos jovens, como o uso das redes sociais, a sensação de isolamento e solidão e a falta de comunicação com os pais, por exemplo. O impacto da serie foi tão grande entre pais e educadores que, na Inglaterra, ela será exibida nas escolas.
Agora, a mesma Netflix volta a fazer barulho mundial com a série documental “Má influência: o lado sombrio dos influencers infantis”. Com menos de um mês de lançamento, a série já passou “Adolescência” em número de horas consumidas pelos espectadores.
Dividida em três episódios, a série aborda o impacto da internet e das redes sociais no comportamento e na vida das crianças. Ao longo da série, acompanhamos a vida de Piper Rockelle, uma jovem com vontade de ser estrela no YouTube. A mãe de Piper, Tiffany Smith, é quem gerencia sua carreira. A sequencia de episódios descortina as pressões e os desafios por que passam as crianças que almejam fama nas redes sociais (geralmente estimuladas pela figura dos pais ou outros adultos).
“Má influência” é relevante por jogar luz sobre um tema premente nos dias de hoje: a busca por validação no ambiente digital e a consequente exposição excessiva no mundo online por parte dos jovens. Qual a responsabilidade dos pais neste processo? Num ambiente tão desassistido de lei, como o digital, qual deve ser o padrão ético a seguir quando envolve crianças e jovens? Existem limites entre a vida privada e a persona criada para consumo público? “Má influência” levanta todos estes debates absolutamente contemporâneos e fundamentais para a qualidade de vida de crianças e jovens.
A todo momento temos mais informações sobre o impacto das redes sociais na saúde mental, emocional e social – não apenas dos jovens, mas dos adultos também. Se por um lado elas podem gerar mais informação, trazer conteúdos de qualidade até então desconhecidos, é inegável que as redes tem potencial de causar danos significativos, como transtorno de imagem, depressão e ansiedade, tudo isso já constatado em pesquisas e estudos de credibilidade.
A presença de crianças no mundo do showbiz não é uma novidade: de Shirley Temple a Gloria Pires, passando por Drew Barrymore, Sandy e Macaulay Culkin. No entanto, a fama de todos estava ancorada em algum talento: cantar, dançar, representar. Hoje, o que vemos é uma profusão de “influenciadores que influenciam” apenas pela sua presença ou carisma, sem nada a agregar aos jovens. Na outra ponta, a vontade de se tornar uma celebridade online pode levar a uma pressão insuportável, afetando a saúde mental e o bem-estar dos jovens. Outro tema bastante abordado na série é a perda de segurança e privacidade destes jovens, em decorrência do excesso de exposição.
Cabe aos pais e responsáveis a responsabilidade de supervisionar o conteúdo consumido pelos filhos. E no caso dos pais de influenciadores digitais, a responsabilidade não é menor: é preciso que não esqueçam que, antes de tudo, os filhos são crianças, que precisam ter seus direitos e sua saúde mental preservadas – ainda que isso não as agrade de imediato. Quando adultas, seguramente irão agradecer o zelo e a proteção dos pais.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).