Tudo sobre infecção urinária: como reconhecer e tratar adequadamente?
Infecções do trato urinário são muito comuns e, se não forem tratadas adequadamente, podem levar a complicações graves
Infecções do Trato Urinário (ITU) são muito comuns e afetam milhões de pessoas todos os anos. Elas podem ser desconfortáveis, dolorosas e, se não forem tratadas adequadamente, podem levar a complicações graves. Para nos ajudar a entender melhor este assunto, convidamos um especialista na área, o médico e professor de urologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Dr. Fabricio Carrerette. Pesquisador nesta área e responsável pelo Núcleo de Disfunção Miccional da universidade, ele vai esclarecer algumas questões sobre as infecções urinárias, fornecendo informações abrangentes sobre como reconhecer os sintomas, entender as causas e buscar o tratamento adequado.Vamos explorar tudo o que você precisa saber sobre infecções urinárias, desde a identificação dos primeiros sinais até as melhores práticas para prevenção e tratamento.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que é a infecção urinaria?
Dr. Fabricio Carrerette: A infeção urinária ou Infecção do Trato Urinário (ITU) ocorre quando há a presença de microrganismos (germes) como bactérias, fungos, clamídia ou outros em qualquer parte do sistema urinário, principalmente na bexiga e nos rins. Dependendo da localização, ela recebe nomes diferentes, cistite na bexiga, ou trato urinário baixo e pielonefrite nos rins, ou trato urinário alto. Os sintomas mais comuns incluem ardor ou dor ao urinar, micções frequentes, urina com cheiro fétido, dificuldade em iniciar a micção e hematúria nas cistites a febre e dor lombar são mais comuns na pielonefrite. A maioria das infeções urinárias não é grave, são as cistites agudas, mas as que envolvem os rins requerem cuidados especiais, são as pielonefrites, que podem necessitar até mesmo de internação hospitalar com tratamento através de antibióticos aplicados na veia.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais outras causas podem dar sintomas parecidos ?
Dr. Fabricio Carrerette: É muito comum outras alterações do trato urinário ou mesmo sistêmicas simularem uma infecção urinária. A Bexiga Hiperativa, uma condição muito frequente que causa uma necessidade frequente de urinar (polaciúria) e também pode causar dor na bexiga e uretra, simulando os sintomas de uma infecção urinária e dificultando o diagnóstico entre essas alterações, por exemplo. As pedras nos rins (Nefrolitíase) podem causar dores severas nos rins, podendo confundir com uma pielonefrite, também podem causar sintomas como urgência para urinar e sangue na urina, semelhantes aos de uma infecção urinária baixa a cistite. O diabetes, uma doença sistêmica muito frequente que causa altos níveis de açúcar no sangue e na urina pode causar sintomas urinários, como aumento da frequência urinária e sensação de ardor ao urinar, que são comumente confundidos com uma infecção urinária. Câncer de Bexiga pode causar sintomas como sangue na urina, dor ao urinar e necessidade frequente de urinar, semelhantes aos de uma infecção urinária. Outras doenças também podem simular uma infecção urinária, como a cistite intersticial, também conhecida como síndrome da bexiga dolorosa, que causa dor e pressão na bexiga e na pelve, além de uma necessidade frequente de urinar, sem a presença de infecção bacteriana; a vaginite, que é uma inflamação da vagina, geralmente causada por infecções bacterianas, fúngicas ou virais, pode causar dor ao urinar, coceira e corrimento, sintomas que podem ser confundidos com uma infecção urinária, bem como as uretrites, inflamações da uretra, que podem ser causadas por infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como gonorreia e clamídia, apresenta sintomas como dor ao urinar e secreção uretral. As prostatites, que são a inflamação da próstata nos homens, podem causar dor ao urinar, frequência urinária aumentada e desconforto na pelve, sintomas que podem ser confundidos com uma infecção urinária. Diagnosticar corretamente a causa dos sintomas urinários é crucial para um tratamento adequado, por isso é importante realizar exames laboratoriais e consultar um médico para uma avaliação precisa.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como investigar?
Dr. Fabricio Carrerette: Investigar uma infecção urinária (IU) envolve várias etapas, desde a coleta de uma história clínica detalhada até a realização de exames laboratoriais específicos. Na história médica devemos avaliar se o paciente apresenta sintomas sugestivos como disúria (dor ao urinar), polaciúria (aumento da frequência urinária), urgência miccional (uma vontade incontrolável para urinar), hematúria (sangue na urina), dor supra púbica (bexiga) ou lombar (rins) e febre que ocorre mais frequentemente nos casos de infecção urinária alta a pielonefrite. Devemos atentar também para história prévia de infecções urinárias, condições médicas subjacentes (diabetes, problemas renais, etc.), uso recente de antibióticos, uso de dispositivos urinários (cateteres, sondas) e início de atividade sexual em mulheres jovens. O exame físico é muito importante na investigação sinais vitais, como febre e taquicardia, são sinais de uma infecção complicada, dor à palpação supra púbica ou lombar com a punho percussão também pode ser encontrado nas cistites e pielonefrites. Portanto o exame médico é fundamental para o diagnóstico e orientar o tratamento adequado que é direcionado para os diferente tipos e gravidades das infecções urinárias. Os exames laboratoriais e de imagens podem complementar a investigação em alguns casos, uma cistite clássica, com disúria terminal (dor e ardência no final da micção) acompanhada de polaciúria e mal estar em uma mulher jovem, sem comorbidades, não precisa mais do que uma história clinica e exame físico para iniciar o tratamento empírico, com antibiótico que atuem nos germes mais comuns como as enterobactérias das quais a principal é a Echerichia coli. O exame de urina simples, conhecido como EAS (elementos anormais e sedimentos), pode indicar a infecção, urina com aspecto turvo pode indicar presença de pus ou bactérias, um pH alterado, aumento dos leucócitos e das hemácias, além do teste de nitrito e estearase leucocitária positivos são muito sugestivos de infecção urinária no EAS. Entretanto é a urinocultura que pode dar o diagnóstico etiológico, qual é o germe causador da infecção e também permite realizar o antibiograma que é o teste que mostra qual antibiótico é eficaz contra aquele germe. A coleta da urina deve ser feita idealmente na primeira micção da manhã ou após 4 horas sem urinar. Consideramos como infecção urinária o crescimento bacteriano significativo, ou seja, acima de 100.000 Unidades Formadoras de Colônias por mililitro de urina (UFC/mL), abaixo deste número consideramos como bacteriúria, bactéria na urina sem infecção, é claro que estes exames são complementares, e a avaliação médica é fundamental para o correto diagnóstico. Por exemplo: em alguns casos de pielonefrite, os germes podem estar apenas nos rins e ter o exame de urina sem qualquer alteração. Os exames de imagem são raramente necessários, a não ser que suspeitemos de uma infecção complicada, infecção recorrente, pielonefrite, ou suspeita de doenças associadas, como abscesso renal, hidronefrose, cálculo ou tumores das vias urinárias. Os exames de imagem mais utilizados são a ultrassonografia (US) do trato urinário e a tomografia computadorizada (TC). Algumas considerações especiais são necessárias, nos casos de infecção urinária recorrente temos que avaliar fatores predisponentes como anatomia anormal e disfunção miccional. Devemos considerar uma investigação mais aprofundada com especialista, nos casos de infecção urinária em homens geralmente causadas pelo aumento prostático e nas crianças onde as anomalias congênitas são as principais causas.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais maneiras de prevenir a ITU? No jovem e no idoso?
Dr. Fabricio Carrerette: A prevenção da ITU é possível em casos específicos. Por exemplo, no caso da cistite da lua de mel, ITU que ocorre nas mulheres que iniciam a vida sexual ativa, é importante mencionar que ITU não é transmitida sexualmente, o que ocorre durante a relação é que a penetração do pênis na vagina empurra microrganismos que estão colonizando a vulva e uretra distal para dentro da bexiga, desencadeando as cistites. Nestes casos, a maneira de prevenir é evitando a colonização de germes estranhos à flora normal desta região e também permitindo a eliminação dos que alcançarem a bexiga, o que é feito de várias formas. Constam da sabedoria popular várias ações capazes de minimizar essa situação. A primeira é manter uma boa função do trato intestinal, evitando constipação, prisão de ventre, que colabora com o aumento dos “germes ruins” na região urogenital das mulheres. Outras medidas importantes são a correta higiene íntima da mulher: após evacuar, nunca limpar de traz para frente; de preferência usar água da ducha higiênica para lavar, mas somente a parte externa e nunca lavar dentro da vagina; evitar sabonetes íntimos, que contem agentes bactericidas que alteram a flora normal da região, os lactobacilos, que são “germes bons” que não causam ITU e impedem os “germes ruins” de colonizar a região. Se utilizar sabonete, dê preferência a sabonetes infantis e, uma coisa muito importante: urinar após as relações, pois a micção expulsa os germes que eventualmente entraram na bexiga durante a relação sexual. Nos idosos as causas são diferentes. Nos homens, a maioria das ITU está relacionada a problemas prostáticos, e a prevenção seria tratar adequadamente a doença da próstata. Já nas mulheres, o envelhecimento da bexiga com a disfunção vesical, a incontinência urinária, doenças crônicas como o diabetes e a hipertensão arterial com as medicações, tudo isso afeta o funcionamento normal da bexiga predispondo as ITUs. São situações desafiadoras que, com o aumento da longevidade, vão demandar mais atenção dos especialistas. E a prevenção se torna cada vez mais complexa, às vezes dependendo de medidas e intervenções mais invasivas, que não apenas as mudanças de hábitos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que há de novidades no tratamento?
Dr. Fabricio Carrerette: O tratamento para infecção urinária normalmente é baseado no uso de antibióticos, como a fosfomicina, cefalosporinas e penicilinas, prescritos por um médico para combater as bactérias responsáveis pela infecção. Dependendo do tipo de infecção, este tratamento pode durar de um (dose única) a vinte e um dias, ou até mais, para aliviar os sintomas. Também é indicado utilizar analgésicos e anti-inflamatórios. Além disso, existem fitoterápicos como o cramberry, que pode ajudar no tratamento, contendo substâncias que dificultam a aderência da bactéria no trato urinário. Os probióticos ajudam a controlar a flora normal, microbioma, da região urogenital e também contribuem para o tratamento e prevenção das infecções urinárias.
Uma das principais novidades no tratamento das ITU é a utilização da vacina. Sabemos que a maioria das infecções é causada por bactérias intestinais, e a Escherichia coli é a principal. A vacina é indicada para a prevenção ou tratamento de infecções urinárias, pois possui na sua composição componentes extraídos da bactéria Escherichia coli. Desta forma, essa vacina estimula o sistema imunológico a produzir defesas contra essa bactéria. Ela pode ser encontrada em farmácias ou drogarias, na forma de cápsulas de 6 mg, e pode ser usada por adultos ou crianças com mais de 4 anos, mas sempre com prescrição médica.
Por fim a utilização das nanodecoys, nanopartículas ou nanoenzimas que agem no sentido de capturar os germes que causam a ITU, por isso são chamadas de decoys (armadilha em inglês). Ao imitar o receptor ao qual o germe se liga, a terapia com nanodecoys pode ser eficaz contra as bactérias e outros germes que causam as infecções urinárias, é o que sugerem alguns estudos. Entretanto, este tratamento ainda não esta disponível na prática clínica. Novos antibióticos também são lançados de tempos em tempos para driblar a resistência bacteriana pelo uso indiscriminado de antibióticos, prática muito comum no nosso país.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como Orientar cuidadores de pacientes com Demência a prevenir Itu de repetição?
Dr. Fabricio Carrerette: Orientar cuidadores de pacientes com demência para prevenir infecções urinárias recorrentes envolve várias estratégias. Aqui estão algumas recomendações baseadas em práticas clínicas e pesquisas: Higiene genital adequada: assegure-se de que a área genital do paciente seja limpa regularmente, use água morna e sabão suave (infantil), limpando da frente para trás para evitar a transferência de bactérias fecais para a uretra. Troque fraldas e absorventes com frequência para manter a área seca e limpa. Incentive o paciente a beber líquido ao longo do dia, sem exagero, observe se a boca, língua ou olhos estão secos. Se sim é preciso beber líquido, pois a hidratação adequada ajuda a diluir a urina e a eliminar as bactérias da bexiga. Porém, deve-se evitar líquidos à noite, o idoso não secreta o hormônio antidiurético e não deve ser hidratado à noite. Monitorar Sintomas: esteja atento a sinais de infecção urinária, como dor ao urinar, necessidade frequente de urinar, febre ou urina com odor forte, fétido. Realize exames regulares e siga as recomendações médicas para tratamento e prevenção de infecções urinárias.
Uso de Medicamentos e Suplementos – Antibióticos Profiláticos: Em alguns casos, o médico pode prescrever antibióticos de baixa dose para prevenir infecções recorrentes. Suplementos de cranberry ou suco de cranberry podem ajudar a prevenir infecções urinárias. Se o paciente tem diabetes, mantenha os níveis de açúcar no sangue sob controle, pois níveis elevados podem aumentar o risco de infecções, já que a glicose é eliminada na urina e serve como alimento para os germes. A constipação pode alterar o funcionamento da bexiga e também a flora de germe no trato urinário, aumentando o risco de infecção, incentive uma dieta rica em fibras. Crie uma rotina de idas ao banheiro para ajudar o paciente a esvaziar a bexiga regularmente, utilize dispositivos como urinais e comadres para facilitar a micção, especialmente durante a noite. Essas estratégias podem ajudar a reduzir o risco de infecções urinárias recorrentes em pacientes com demência, melhorando a qualidade de vida e o bem-estar geral.
Profissional Convidado:
Dr. Fabricio Carrerette
Médico e Professor de Urologia da UERJ
Coordenador do Núcleo de Disfunção Miccional da UERJ
IG:@fabriciocarrete
https://www.carretteurologia.com.br