O poder do jejum na longevidade
O Jejum ativa a autofagia e protege contra as doenças do envelhecimento.

O jejum é um potente estímulo metabólico com efeitos profundos sobre a longevidade e a prevenção de doenças. Durante o jejum, o organismo ativa a autofagia, um mecanismo de limpeza e renovação celular que elimina proteínas danificadas e organelas disfuncionais. Essa reciclagem celular, reconhecida por seu papel na prevenção de doenças degenerativas e inflamatórias, está no centro da biologia do envelhecimento saudável. Estudos robustos demonstram que protocolos bem orientados de jejum intermitente podem reduzir inflamação, melhorar a sensibilidade à insulina, preservar a função cognitiva e ampliar o tempo de vida com saúde. Para aprofundar os efeitos clínicos e moleculares do jejum sobre a longevidade, entrevistei a Dra. Evelyne Yehudit Bischof, que é médica especializada em clínica médica, professora de Medicina na Shanghai University of Medicine and Health Sciences e na Tel Aviv University. É diretora médica do Sheba Longevity Center e presidente da Healthy Longevity Medicine Society. Também atua como cofundadora do curso internacional Longevity Medicine 101, voltado à capacitação de médicos em medicina da longevidade, que está disponível na plataforma: Longevity Education Hub:https://longevity-degree.teachable.com/p/longevity-medicine-101). Sua área de pesquisa inclui oncologia, medicina da longevidade, inteligência artificial, saúde digital, medicina de precisão, biogerontologia e geronto-oncologia.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Jejum e autofagia geralmente parecem abstratos para o público em geral. Você pode esclarecer esse mecanismo e sua importância para a saúde e longevidade?
Dra. Evelyne Bischof: Autofagia é, literalmente, o processo de faxina interna do corpo. Quando jejuamos, ativamos um interruptor metabólico que muda a fonte de energia da glicose para corpos cetônicos, o que, por sua vez, ativa a autofagia. Em nível celular, isso significa a remoção de proteínas danificadas, mitocôndrias disfuncionais e componentes celulares envelhecidos. Esse benefício não é apenas teórico — a ativação regular da autofagia tem sido associada a uma melhor saúde metabólica, adiamento de doenças neurodegenerativas e redução da incidência de enfermidades relacionadas à idade, tanto em animais quanto em humanos. O jejum é, portanto, uma intervenção não farmacológica que reinicia o sistema biológico e prolonga a funcionalidade de órgãos-chave. No entanto, ele deve ser feito de forma responsável, evitando períodos prolongados que podem causar efeitos negativos como perda muscular. Tudo deve ser ajustado às necessidades individuais do corpo. O jejum é bom, mas não para todos, e apenas dentro de limites específicos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O jejum é frequentemente associado a desconforto. Quais são os benefícios iniciais que você observa clinicamente e como ajuda os pacientes na transição?
Dra. Evelyne Bischof: Clinicamente, pacientes que praticam jejum intermitente diariamente (janela de alimentação de 4 a 6 horas por dia, de preferência pela manhã) frequentemente relatam maior estabilidade energética, melhor foco, digestão mais leve e menos desejo por açúcar entre a terceira e quinta semana. As primeiras semanas são mais desafiadoras, com fome e desejos nas horas de jejum, especialmente se não comerem ao menos quatro horas antes de dormir. Para facilitar a transição, recomendo começar com uma janela mais suave e progredir gradualmente para 16:8 (ou 18:6 para pacientes mais avançados com boa massa muscular). Dou atenção especial à massa muscular, hidratação adequada, eletrólitos equilibrados, refeições ricas em proteínas durante a janela de alimentação e ausência de hipoglicemia avaliada através do monitoramento contínuo da glicose (CGM). Ferramentas comportamentais como alimentação consciente, horário das refeições alinhado ao ritmo circadiano e higiene do sono também ajudam na sustentabilidade. A chave é a personalização: o jejum precisa ser adaptado, não forçado.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como pacientes com vidas agitadas ou condições como hipertensão podem começar a jejuar com segurança?
Dra. Evelyne Bischof: Para pessoas com comorbidades, começamos com abordagens leves e supervisionadas, como a alimentação com restrição de tempo (TRE), geralmente com 12 horas de jejum noturno. Por exemplo, parar de comer após o jantar (pelo menos quatro horas antes de dormir) e adiar um pouco o café da manhã pode melhorar a sensibilidade à insulina e a pressão arterial. Evitamos jejuns prolongados em pacientes com polifarmácia, baixa massa muscular, uso de medicamentos agudos ou em fases de fragilidade. Tudo deve ser supervisionado. A abordagem mais segura é sempre colaborativa, combinando jejum com ajustes na medicação e monitoramento de biomarcadores metabólicos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Você menciona a redução da inflamação como um benefício central. Quais biomarcadores você monitora e que mudanças são observadas?
Dra. Evelyne Bischof: Monitoramos marcadores como são a proteína C-reativa ultrassensível, a interleucina 6, a ferritina, a amilase e, ocasionalmente, o fator de necrose tumoral alfa(TNF-alfa). Em pacientes bem adaptados ao jejum, é comum observar uma redução significativa de proteína C-reativa ultrassensível em 8 a 12 semanas. A redução da inflamação se correlaciona com menor risco cardiovascular, redução de dores articulares e melhor qualidade do sono. O mais interessante é que o jejum frequentemente reduz a necessidade de medicamentos anti-inflamatórios, especialmente em casos de inflamação sistêmica leve.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O jejum é reconhecido como neuroprotetor. Como isso se manifesta nos pacientes?
Dra. Evelyne Bischof: O metabolismo de corpos cetônicos durante o jejum melhora a função mitocondrial e aumenta os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), promovendo a neuroplasticidade. Clinicamente, os pacientes costumam relatar maior clareza mental, estabilidade do humor e menos sensação de confusão mental. Em intervenções mais longas, já observamos melhorias em testes cognitivos como o Avaliação Cognitiva de Montreal (Montreal Cognitive Assessment) em pacientes de meia-idade com risco de declínio cognitivo. O jejum parece modular o eixo intestino-cérebro, o ritmo circadiano e a resiliência sináptica, todos fundamentais para o envelhecimento cognitivo saudável. Mas precisa ser personalizado conforme idade, gênero e saúde metabólica. E exagerar não traz melhores resultados.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como você integra o jejum com outras estratégias de nutrição personalizada?
Dra. Evelyne Bischof: Raramente prescrevo o jejum de forma isolada. Combinamos com atividade física para saúde cardiovascular e manutenção da massa muscular, e utilizamos exames de micronutrientes para guiar a suplementação, especialmente magnésio, zinco, vitamina D e vitaminas do complexo B, importantes nas transições metabólicas. Também promovemos alimentação alinhada ao ritmo circadiano, priorizando janelas alimentares mais cedo que melhoram a sensibilidade à insulina. O uso de CGM é fundamental. Os resultados são marcantes quando o jejum faz parte de um protocolo mais amplo.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que o jejum ensina sobre o microbioma intestinal?
Dra. Evelyne Bischof: Estudos mostram que o jejum promove maior diversidade microbiana e melhora a proporção entre Firmicutes e Bacteroidetes, frequentemente alterada em quadros de disfunção metabólica. Em alguns pacientes, observamos essas mudanças após alguns meses. Também vemos aumento de Akkermansia muciniphila e Faecalibacterium prausnitzii, bactérias associadas à longevidade. Na prática clínica, usamos exames de microbioma nas fezes para avaliar a base e o progresso. Para quem não pode realizar o teste, personalizamos o consumo de fibras e alimentos ricos em prebióticos. Em alguns casos, o jejum ajuda a aliviar sintomas gastrointestinais e fadiga associada à disbiose.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como proteger idosos da fragilidade ou perda muscular ao jejuar?
Dra. Evelyne Bischof: Adotamos estratégias direcionadas, como ingestão de proteínas ricas em leucina durante a janela alimentar, exercícios resistidos e monitoramento de marcadores de sarcopenia como creatinina, força de preensão manual e bioimpedância. Costumamos recomendar jejuns mais curtos, como 14:10, e evitamos jejum de dia inteiro nessa população. Preservar força e mobilidade é prioridade absoluta.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O jejum pode ser ampliado como estratégia de saúde pública?
Dra. Evelyne Bischof: Sem dúvida. O jejum é de baixo custo, adaptável culturalmente e intuitivo do ponto de vista comportamental. Campanhas educativas podem começar com TRE e programas comunitários de alimentação saudável. Em locais com poucos recursos e alta prevalência de doenças crônicas, até pequenas mudanças no horário das refeições já ajudam. Mas, para expandir com segurança, é preciso uma comunicação baseada em evidências e evitar tendências extremas que possam ser prejudiciais.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que mais te anima sobre o futuro da ciência do jejum?
Dra. Evelyne Bischof: O que mais me empolga é a convergência entre saúde digital, dados ômicos e inteligência artificial para criar protocolos dinâmicos de nutrição e jejum. Imagino um alto grau de automação, com pacientes recebendo orientações personalizadas em tempo real com base em CGM, padrões de sono, atividade do microbioma e outros biomarcadores. Assinaturas moleculares de autofagia e resposta ao jejum poderão orientar quem pode jejuar, por quanto tempo e em quais condições.
Fontes:
- https://longevity-degree.teachable.com/p/longevity-medicine-101
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