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Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD.
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
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O “peso” da dor crônica: aumentar o peso, aumenta a dor?

A prevalência de obesidade dobrou nos últimos 30 anos e afeta 1/3 da população mundial, um número que se assemelha à prevalência de dor crônica no mundo.

Por Dra. Mariana Mafra Junqueira e Dr. Fabiano M. Serfaty.
Atualizado em 6 dez 2022, 20h02 - Publicado em 6 dez 2022, 19h30

Dr. Fabiano M. Serfaty: 

A obesidade, uma doença inflamatória crônica e multifatorial, é a principal epidemia global vigente nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A prevalência de obesidade dobrou nos últimos 30 anos e afeta 1/3 da população mundial, um número que se assemelha à prevalência de dor crônica no mundo. A presença de dor articular, difusa ou lombar é diretamente proporcional ao Índice de Massa Corpórea (IMC), usado para calcular a obesidade. Pela Organização Mundial da Saúde (OMS), obesidade é definida através do Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30kg/m2 e sobrepeso acima de 25kg/m2. O IMC é calculado pelo peso em quilograma (Kg) dividido sobre a altura em metros ao quadrado (m2).

Os pacientes com IMC entre 30-34 Kg/m2 têm 68% mais dor que as pessoas da mesma idade com IMC entre 20-25 Kg/m2, enquanto nos indivíduos com IMC entre 35-39 Kg/m2 este número aumenta para 136%. Os indivíduos obesos também necessitam mais precocemente de cirurgias de prótese de quadril e joelho, além de terem maior risco de dor de difícil controle no pós-operatório. Para conversarmos sobre esse assunto tão comum no nosso dia a dia, convido a médica Dra. Mariana Mafra Junqueira, com especialidade em Clínica da dor e anestesiologista, com fellowship em Medicina da Dor no Children’s National Health System, George Washington University nos Estados Unidos e atualmente diretora científica da Clínica São Vicente, Rede D’OR. Qual a relação do ganho de peso com a dor? Por que os pacientes com obesidade têm mais dor que os indivíduos não obesos?

Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Há uma combinação multifatorial que contribui para a cronificação de dor no indivíduo obeso e que vão de fatores genéticos, biomecânicos, metabólicos, até comportamentais e culturais. Não é algo relacionado apenas ao peso para as articulações e coluna, mas também porque a gordura, principalmente a gordura abdominal – chamada de visceral – libera substâncias inflamatórias, o que leva o indivíduo obeso a um estado de inflamação crônica. Além disso, a leptina, um hormônio liberado pela gordura, interfere nos mecanismos de dor no cérebro, aumentando a sua percepção.O indivíduo obeso também tem maior risco de dor miofascial, articular e neuropática. A dor neuropática é mais frequente em indivíduos obesos, com resistência a insulina e diabetes mellitus. Isto porque as células adiposas não são simplesmente depósitos de gordura, elas têm papel importante na imunidade e nos processos inflamatórios também dos nervos. O indivíduo obeso tem pior qualidade de sono, muitas vezes relacionada a distúrbios ventilatórios e apneia do sono. Um sono com múltiplas interrupções, que tem distribuição inadequada das fases do ciclo do sono, ou seja, com a arquitetura do sono comprometida, também contribui para o desenvolvimento de dor crônica. 

Dr. Fabiano M. Serfaty: 

A dor é um fator limitante para realização de exercícios físicos? Caso, o paciente tenha dor ele pode fazer exercícios ou precisa ficar em repouso?

Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Mesmo na presença de dor, não sendo algo grave que impeça o movimento ou tenha instabilidade articular ou na coluna, o paciente pode e deve fazer exercícios, fazer caminhadas e até mesmo exercícios funcionais ou de musculação, sendo importante conversar com seu médico antes de iniciá-los. O exercício traz uma série de benefícios importantes, reduz contraturas musculares, melhora a perfusão muscular, promove a liberação de substâncias analgésicas e substâncias que modulam a dor no sistema nervoso central. É comum que os pacientes obesos ou com dor lombar, por exemplo, tenham receio de se movimentar, um fenômeno conhecido como cinesiofobia, mas a realidade é que o movimento é importante para a melhora da dor.

dor e obesidade contribuem para serem doenças concomitantes.
dor e obesidade contribuem para serem doenças concomitantes. (Dra. Mariana Mafra/Veja Rio)

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Como lidar com o ciclo de ter dor e não conseguir fazer exercício para perder peso?

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Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Algumas estratégias podem ser utilizadas, tais como usar um analgésico comum 30 minutos a 1h antes de fazer exercício, começar devagar mesmo que sejam 5 minutos ao dia, usar a área não afetada pela dor para iniciar o movimento. Para as pessoas que tiverem a possibilidade é sempre melhor começar com auxílio de um fisioterapeuta e um preparador físico, que indicará como fazer e como evoluir. Aos poucos, o paciente vai ganhando maior funcionalidade, maior disposição, podendo retirar medicamentos e entrando em um ciclo virtuoso. Porém é sempre importante consultar seu médico antes de fazer uso de qualquer medicamento.

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Quais os tipos de tratamento podem ser utilizados para amenizar a dor, além da perda de peso?

Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Há um ciclo vicioso de não se mexer, sentir mais dor, aumentar a ansiedade e consequentemente o apetite, aumentando o peso e a dor. Por isso a alimentação mais saudável, mesmo que a perda de peso seja lenta, contribui para redução do processo inflamatório e consequentemente reduz a dor. Evitar, por exemplo, a ingestão de açúcar e bebida alcóolica pode trazer alívio. As regras de higiene do sono que permitem um ciclo de sono mais adequado também podem contribuir para alívio da dor. Algumas das regras são: dormir e acordar no mesmo horário diariamente, não assistir televisão ou utilizar eletrônicos até uma hora antes de dormir, não consumir alimentos com cafeína após as 13/14h, porque a meia-vida da cafeína é longa e ela ainda estará circulando no organismo na hora de dormir e evitar o uso de bebidas alcoólicas que, ao contrário do que se acredita, alteram negativamente o ciclo do sono. Além disso, já foi comprovado pela ciência que técnicas de relaxamento, de atenção plena e meditação, podem reduzir a dor, a ansiedade e melhorar a qualidade de sono. Hoje muitos devices (aparelhos portáteis) ou wearables (como, por exemplo, os relógios inteligentes) podem ser utilizados para monitorar o sono. 

Existem, também, procedimentos feitos com agulhas (infiltrações, radiofrequências) e cirurgias que permitem melhorar, por exemplo, a dor na coluna, quadril, joelho e ombro. Além das infiltrações, existem as denervações articulares por radiofrequência, que permitem alívio por 6 meses a 2 anos dependendo da técnica utilizada. Isso pode ajudar o paciente a sair do ciclo de dor ou minimizá-lo, voltar a se movimentar e ganhar massa muscular. Sempre bom enfatizar que tratar a dor com procedimentos e remédios sem mudar o estilo de vida tem impacto muito menor e menos duradouro no tratamento de dor crônica. 

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Os distúrbios de humor, como ansiedade e depressão, são mais prevalentes em indivíduos obesos. Isso impacta no prognóstico da dor crônica?

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Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Sim, e ansiedade e depressão são mais prevalentes também em indivíduos com dor crônica e contribuem para que a dor perpetue. O processamento de dor crônica e os distúrbios de humor acontecem em áreas similares no sistema nervoso central. A serotonina, a noradrenalina e outros neurotransmissores afetados pelos distúrbios de humor, controlam a percepção de dor no cérebro, em uma área conhecida como sistema límbico, responsável pelas nossas funções mais primitivas (sono, apetite, humor, raiva etc.). Sendo assim, obesidade, dor crônica e distúrbios de humor são condições coexistentes que se retroalimentam em um ciclo vicioso. 

Dr. Fabiano M. Serfaty: 

Os medicamentos para dor crônica podem causar ganho de peso? Como isso pode ser contornado? 

Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

De fato, a maioria dos medicamentos, com raras exceções, aumentam o apetite e contribuem para o ganho de peso. Medicamentos como pregabalina, gabapentina, amitriptilina, dentre outros antidepressivos ou anticonvulsivantes que são considerados primeira ou segunda linha em tratamento de dor crônica podem levar ao ganho de peso. Podemos contornar isso usando a menor dose terapêutica possível, no menor intervalo de tempo aceitável, levando o paciente a se exercitar. Assim como tentar evitar esses medicamentos em alguns pacientes, utilizando outros que tenham ação mais neutra no ganho de peso. Os procedimentos de baixa complexidade também podem permitir poupar o uso de medicamentos ou permitir a retirada mais rápida. Os medicamentos ainda podem causar outros efeitos como sonolência, náusea, tontura e boca seca, sendo sintomas mais frequentes, além de interferir na função sexual com redução de libido e demora para atingir o orgasmo. 

Dr. Fabiano M. Serfaty: 

Além do impacto de atividade física e distúrbios de humor em dor crônica e obesidade, quais são os outros fatores impactantes?

 

Ciclo vicioso – a dor pode levar à obesidade, como a obesidade pode levar à dor crônica, sendo ambas multifatoriais. Os fatores podem acontecer não necessariamente nessa ordem, sendo que distúrbios do sono, humor e incapacidade funcional podem estar presentes em ambas as condições.
Ciclo vicioso – a dor pode levar à obesidade, como a obesidade pode levar à dor crônica, sendo ambas multifatoriais. Os fatores podem acontecer não necessariamente nessa ordem, sendo que distúrbios do sono, humor e incapacidade funcional podem estar presentes em ambas as condições. (Dra. Mariana Mafra Junqueira/Veja Rio)

 

Dra. Mariana Mafra Junqueira: 

Os distúrbios de sono como já pontuado, alimentação inadequada, consumo de álcool e cigarro. A literatura científica já consegue demostrar que alguns genes que alteram receptores ou canais iônicos estão ligados ao desenvolvimento de algumas dores crônicas e acredito que, em breve, poderemos avaliar isso clinicamente. Vários outros fatores aos quais o indivíduo foi exposto desde a vida intrauterina contribuem para a experiência dolorosa e desenvolvimento de dor crônica. O tratamento de dor crônica é interdisciplinar, depende do engajamento do paciente – como ser atuante em seu plano terapêutico – e não há solução mágica, mas a cada dia surgem novos tratamentos e a ciência avança nesta área tão complexa, permitindo melhor qualidade de vida aos pacientes.

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Convidada:

Dra. Mariana Mafra Junqueira.

Médica com especialização em Clínica da dor e anestesiologista.

Diretora científica da Clínica São Vicente, Rede D’OR.

https://www.linkedin.com/in/mariana-mafra-junqueira-129971aa

Referências:

  1. Ambrose, K.R., Golightly, Y.M.; Physical exercise as non-pharmacological treatment of chronic pain: Why and when; Best Practice in Research and Clinical Rheumatology; 2015, v. 29; p 120-130.
  2. Narouze, S., Souzdalnitski, D.; Obesity and Chronic Pain: Systematic Review of Prevalence and Implications for Pain Practice; Regional Anesthesia and Pain Medicine; v. 40, n. 2; March-April 2015; p 91-111.
  3. Ghusn, W., Bouchard, C., Frye, M.A., Acosta, A.; Weight-centric treatment of depression and chronic pain; Obesity Pillars; v. 3; 2022.
  4. Paley, C.A.; Johnson, M.I.; Physical Activity to Reduce Systemic Inflammation Associated with Chronic Pain and Obesity a Narrative Review; Clinical Journal of Pain; v. 2, n. 4, April 2016.
  5. TED talk https://www.ted.com/talks/latif_nasser_the_amazing_story_of_the_man_who_gave_us_modern_pain_relief
  6. TED talk https://www.ted.com/talks/joshua_w_pate_the_mysterious_science_of_pain
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