Longevidade: mitos e verdades revelados para uma vida mais saudável
Dr. Nir Barzilai, com um dos maiores especialistas em Longevidade do mundo, aborda as evidências científicas mais recentes sobre assunto.
A busca pela longevidade fascina a humanidade há séculos, mas agora, mais do que nunca, os avanços científicos nos permitem reimaginar o conceito de envelhecimento. Não se trata apenas de viver mais tempo; trata-se de viver bem durante esse tempo prolongado. Na interseção de genética, estilo de vida e inovações médicas, o campo da longevidade está evoluindo rapidamente. Pesquisas recentes sugerem que podemos atrasar o processo de envelhecimento e, em alguns casos, até mesmo revertê-lo, focando não apenas em doenças específicas, mas na biologia subjacente ao envelhecimento. Compreender os fatores que permitem que algumas pessoas vivam saudavelmente além dos 100 anos — os chamados “SuperAgers”— é o foco de estudos que prometem mudar drasticamente a forma como enfrentamos doenças crônicas relacionadas à idade.
Essas descobertas centram-se na compreensão de que o envelhecimento não é simplesmente uma sequência inevitável de declínio físico. A ciência da longevidade propõe que podemos intervir em processos biológicos fundamentais para desacelerar, prevenir ou mitigar os efeitos do tempo, promovendo uma vida mais longa e saudável. Neste contexto, surge a questão: o que é mito e o que é verdade quando se trata de estender a vida com qualidade?
Para abordar o tema da longevidade com a devida profundidade e rigor científico, convidei o Dr. Nir Barzilai, uma das maiores autoridades mundiais no assunto e um dos médicos mais respeitados e influentes no campo da longevidade e do envelhecimento.
Dr. Nir Barzilai é o presidente da Academy of health & Lifespan Research (Academia de Pesquisa em Saúde e Longevidade), a instituição dos principais pesquisadores e líderes em Gerociência do mundo, e diretor do Institute for Aging Research (Instituto de Pesquisa sobre Envelhecimento) no Albert Einstein College of Medicine, em Nova York. Ele liderou estudos inovadores que estão mudando nossa compreensão de como e por que envelhecemos. Seu trabalho com o estudo TAME (Targeting Aging with Metformin) foi fundamental para provar que o envelhecimento pode ser tratado como uma doença e obter uma indicação da FDA para prevenir ou retardar uma série de condições relacionadas à idade, como diabetes, doenças cardíacas e até Alzheimer.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que inicialmente despertou seu interesse em estudar os processos de envelhecimento, e quais foram os maiores desafios que você enfrentou nessa área?
Dr. Nir Barzilai: Meu interesse pelo envelhecimento começou com a percepção de que o envelhecimento é o principal impulsionador de doenças, e que, se pudéssemos retardar o processo de envelhecimento, poderíamos prevenir várias doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e neurodegeneração, simultaneamente. Isso teria um impacto muito maior do que tratar essas doenças individualmente. Inicialmente, o maior desafio era a visão de que o envelhecimento era um processo natural e, portanto, imutável. No entanto, nossas pesquisas demonstraram que o envelhecimento pode, de fato, ser modificado, abrindo portas para intervenções terapêuticas. Estamos agora liderando uma revolução para dedicar nosso tempo a ser saudáveis, em vez de gastá-lo tratando doenças.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Você estudou extensivamente os centenários, muitos dos quais são judeus asquenazes. Quais são os principais fatores genéticos e de estilo de vida que você identificou nesses indivíduos que contribuem para sua longevidade?
Dr. Nir Barzilai: Descobrimos que os centenários exibem uma combinação de fatores genéticos protetores e escolhas de estilo de vida que favorecem o envelhecimento saudável. Geneticamente, identificamos mutações em genes como o CETP (proteína de transferência de ésteres de colesterol) e APOC3, que estão associados a perfis lipídicos melhores e a um menor risco de doenças cardiovasculares, e que foram desenvolvidos em medicamentos, em parte, com base em nossas descobertas. Além disso, muitos deles apresentam maior sensibilidade à insulina, o que reduz a probabilidade de desenvolver diabetes tipo 2. Curiosamente, apesar de alguns desses indivíduos fumarem ou não seguirem uma dieta ou estilo de vida “perfeito”, a genética lhes proporciona uma proteção notável.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Você acha que a privação alimentar que ocorreu nos campos de extermínio nazistas pode ter tido alguma influência epigenética nos supercentenários asquenazes?
Dr. Nir Barzilai: Essa é uma questão intrigante. Há evidências emergentes de que fatores ambientais, especialmente experiências traumáticas e nutrição, podem levar a mudanças epigenéticas que influenciam a longevidade. O estresse e a privação vividos durante o Holocausto podem ter resultado em adaptações que, para alguns, conferem resiliência e longevidade. A pesquisa ainda está em seus estágios iniciais, mas explorar essas influências epigenéticas pode revelar insights importantes sobre os mecanismos do envelhecimento e da sobrevivência. Claro, também podemos argumentar que os traços de longevidade os ajudaram a sobreviver ao Holocausto.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A longevidade livre de doenças é o principal objetivo da medicina preventiva. Sabemos que condições como diabetes e doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de mortalidade. Como suas pesquisas podem nos ajudar a entender a prevenção dessas doenças por meio da modulação do processo de envelhecimento?
Dr. Nir Barzilai: Um dos conceitos mais importantes é que o envelhecimento é o maior fator de risco para a maioria das doenças crônicas. Ao focar o envelhecimento como alvo terapêutico, podemos reduzir a incidência de várias doenças de uma só vez. Por exemplo, as vias metabólicas associadas ao envelhecimento, como os caminhos de sinalização de insulina e mTOR, são cruciais tanto no envelhecimento quanto no desenvolvimento de doenças como diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. Intervenções que modulam essas vias, como restrição calórica e o uso de medicamentos como metformina, inibidores SGLT-2, agonistas GLP-1, bisfosfonatos e talvez até rapamicina, têm mostrado grande potencial em ensaios clínicos para retardar o surgimento dessas doenças.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Tem havido um interesse significativo no uso da metformina, principalmente um medicamento para diabetes, para a prevenção de doenças em adultos mais velhos. Quais são, em sua opinião, os potenciais benefícios da metformina na prevenção de doenças relacionadas ao envelhecimento?
Dr. Nir Barzilai: A metformina é um medicamento interessante porque seus benefícios vão além do simples controle da glicemia, direcionando-se a todos os pilares do envelhecimento celular. Estudos sugerem que ela pode melhorar a sensibilidade à insulina, reduzir o estresse oxidativo e diminuir a inflamação crônica, que são todos fatores cruciais no envelhecimento e no desenvolvimento de doenças crônicas. O estudo TAME em andamento está explorando se a metformina pode efetivamente retardar o início de doenças relacionadas à idade em indivíduos não diabéticos. Esse estudo não apenas repetirá o que já sabemos, mas também buscará a aprovação da FDA para algo como o combate ao envelhecimento, o que acelerará o desenvolvimento de mais medicamentos, melhores medicamentos e combinações que aumentarão nossa saúde e longevidade.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Recentemente, tem havido um crescente interesse nos senolíticos como uma estratégia terapêutica para o envelhecimento. Você pode explicar o que são senolíticos e se há alguma aplicação clínica desses compostos atualmente?
Dr. Nir Barzilai: Os senolíticos são uma classe de medicamentos projetados para eliminar seletivamente as células senescentes, que se acumulam com a idade e contribuem para várias doenças e inflamações relacionadas ao envelhecimento. Ao remover essas células, os senolíticos podem potencialmente melhorar a saúde e prolongar a vida. Alguns compostos senolíticos, como o dasatinibe e a quercetina, mostraram resultados promissores em estudos pré-clínicos e nos primeiros ensaios em humanos, sugerindo que podem melhorar os marcadores de saúde em idosos. No entanto, ainda estamos nos estágios iniciais de compreensão de seu pleno potencial e segurança na prática clínica.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O NADH tem ganhado muita atenção nos últimos anos devido aos seus supostos efeitos antienvelhecimento, especialmente no contexto da função mitocondrial e do metabolismo energético celular. Do ponto de vista científico e clínico, quão sólida é a evidência atual que apoia o papel do NADH no envelhecimento humano? Além disso, qual é a sua perspectiva sobre o número crescente de profissionais de saúde que promovem o NADH como um suplemento antienvelhecimento, muitas vezes com validação clínica limitada? Como devemos equilibrar a pesquisa emergente com o cuidado ético ao paciente nesse aspecto?
Dr. Nir Barzilai: O papel do NADH no metabolismo celular, particularmente no contexto da eficiência mitocondrial e do equilíbrio redox, é bem estabelecido. À medida que as células envelhecem, há uma diminuição nos níveis de NAD+, o que pode afetar processos como reparo do DNA, regulação metabólica e função celular geral. O NADH, como precursor, é pensado para ajudar a repor esses níveis em declínio, e estudos pré-clínicos mostraram resultados promissores em melhorar a resiliência celular e prolongar a vida útil em organismos-modelo. No entanto, quando se trata de traduzir esses achados para a prática clínica humana, as evidências ainda estão em evolução. A maioria dos estudos que apoia os efeitos antienvelhecimento do NADH baseia-se em modelos animais ou em pesquisas in vitro. Embora existam alguns ensaios em humanos, eles são relativamente pequenos e ainda não fornecem dados robustos e de longo prazo para apoiar o uso generalizado do NADH como intervenção antienvelhecimento.
Como profissionais de saúde, temos a responsabilidade de basear nossas recomendações em ciência bem validada. A comercialização do NADH como suplemento antienvelhecimento superou as evidências clínicas, e é fundamental que abordemos isso com cautela. O cuidado ético ao paciente significa ser transparente sobre as limitações dos dados atuais, ao mesmo tempo que permanecemos abertos a futuros avanços nessa área. Até que mais ensaios rigorosos em humanos sejam conduzidos, devemos focar em intervenções com eficácia comprovada e garantir que os pacientes compreendam o caráter experimental de tais suplementos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Olhando para o futuro, quais são suas expectativas para o campo da medicina do envelhecimento? Estamos próximos de uma revolução em como tratamos o envelhecimento e prolongamos a vida saudável?
Dr. Nir Barzilai: Acredito que estamos à beira de uma revolução. Nos próximos anos, veremos uma explosão de terapias e intervenções, novas e antigas, baseadas em biomarcadores do envelhecimento. A medicina personalizada, que considera o perfil genético, biológico e ambiental de cada indivíduo, nos permitirá ajustar intervenções específicas para otimizar a longevidade saudável. Tecnologias como edição genética, regeneração celular e inteligência artificial também desempenharão um papel transformador. Estamos no início de uma era em que o envelhecimento será tratado como uma doença que pode ser desacelerada e, talvez, um dia, revertida.