Endometriose: Mitos, Verdades e Dúvidas Comuns
A endometriose pode causar dores severas, infertilidade e uma série de outros sintomas que comprometem a qualidade de vida das pacientes.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A endometriose afeta milhões de mulheres em todo o mundo. Caracterizada pelo crescimento de tecido semelhante ao endométrio fora do útero, a endometriose pode causar dores severas, infertilidade e uma série de outros sintomas que comprometem a qualidade de vida das pacientes. No entanto, mesmo com sua prevalência, a endometriose ainda é envolta em mitos e mal-entendidos, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento adequados. Para esclarecer as dúvidas mais comuns e desmistificar algumas crenças sobre a endometriose, convido com o Dr. Leandro Accardo de Mattos, coordenador do Núcleo de diagnóstico por imagem da pelve feminina do laboratório Alta e radiologista do Hospital Israelita Albert Einsten. Nesta entrevista, abordamos questões cruciais sobre a relação entre endometriose e infertilidade, a eficácia dos métodos de imagem e a importância da especialização profissional no diagnóstico desta doença complexa. A endometriose é uma condição que afeta muitas mulheres, mas ainda há muita desinformação sobre o assunto. Quais são os principais mitos que você encontra no seu dia a dia sobre a endometriose?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: Existem vários mitos, dentre eles:
1-que a gravidez cura a endometriose. Na verdade,durante a gravidez e a amamentação, o status hormonal promove um “ambiente” com menor estímulo para a endometriose. Porém, isso não é um tratamento para a doença, e sim, apenas um período de menor atividade inflamatória da doença;
2-que a única forma de saber se tem endometriose é através da cirurgia. Reforçamos que, para o diagnóstico de endometriose, a clínica da paciente é preponderante. Além disso, os exames de imagem podem fazer o diagnósticoe o mapeamento das lesões de endometriose, sem a necessidade da cirurgia com essa finalidade.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Outro mito comum é que a endometriose sempre causa dor intensa. Isso é verdade? Quais são as variações nos sintomas que as pacientes podem experimentar?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: Apesar dos sintomas mais conhecidos serem cólicas menstruais e dor na relação sexual, considerando-se que a endometriose é uma doença inflamatória crônica, pode promover muitos outros sintomas, como distensão abdominal, diarréia preferencialmente no período menstrual e sintomas de má digestão. Um sintoma importante, e por vezes, pouco abordado, corresponde a dor no ombro direito durante o período menstrual (relacionada às lesões do diafragma).
Dr. Fabiano M. Serfaty: Qual relação da endometriose com a infertilidade ? Toda pesquisa de infertilidade feminina deve contemplar a pesquisa de endometriose?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: Importante ressaltar que, apesar da endometriose ser uma das principais causas de infertilidade, uma boa parte das pacientes com endometriose consegue engravidar sem dificuldades. Considerando-se que, algumas pacientes com endometriose podem ter poucos sintomas, a pesquisa da endometriose pelos métodos de imagem pode identificar a doença nessas pacientes com infertilidade e que não tenham indícios clínicos da doença.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Sobre os métodos de imagem, Quais melhores métodos para pesquisar endometriose?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: Tanto o Ultrassom quanto a Ressonância Magnética são ótimos métodos para avaliar a endometriose. Mesmo aquelas pacienteque já apresentem o diagnóstico de endometriose baseado no quadro clínico e no exame ginecológico, é fundamental a realização de um desses exames de imagem. Isso para que possamos mapear a doença, definindo com precisão quais são os órgãos afetados e o grau de comprometimento. Dessa forma, podemos realizar um controle mais preciso da evolução da doença e, quando a cirurgia é indicada, o ginecologista tem disponível todas as informações necessárias para discutir com a paciente a melhor estratégia e técnica cirúrgica.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Há relatos de que os exames de imagem não conseguem visualizar a doença. É verdade e por que isso acontece?
Dr. Leandro Accardo de Mattos:Existem três formas de endometriose: profunda, ovariana e superficial. Os exames de imagem diagnosticam a maioria das lesões de endometriose profunda e ovariana, mas as lesões de endometriose superficial, que também podem causar sintomas, não são detectadas na maioria das vezes. Portanto, o quadro clínico é preponderante no tratamento das pacientes.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como realizar o exame para detectar a endometriose?Alguma preparação especial?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: Tanto o Ultrassom (preferencialmente transvaginal) quanto a Ressonância Magnética devem ser dedicados para a avaliação de endometriose e é fundamental a realização do preparo intestinal, que será orientado pelo laboratório. O exame também precisa ser interpretado por um radiologista experiente na área e, o método a ser solicitado, dependerá das preferências do ginecologista e da sua disponibilidade para cada região.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Existe um mito de que a histerectomia (remoção do útero) é uma cura definitiva para a endometriose. Você poderia explicar por que essa crença é incorreta?
Dr. Leandro Accardo de Mattos:O tratamento cirúrgico da endometriose deve ser direcionado para a ressecção das lesões já instaladas, que podem estar comprometendo múltiplos órgãos, como bexiga, reto, sigmóide etc. Portanto, o que precisa ser removido é a lesão da endometriose (e não o útero). A crença de que a histerectomia seria a cura baseia-se na teoria de que as lesões de endometriose são provenientes do refluxo menstrual, proveniente do útero e das tubas. Porém, esta hipótese ainda é controversa.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Há quem pense que a endometriose é uma condição rara e muitas pacientes relatam sentir que seus sintomas não são levados a sério por alguns profissionais de saúde. Você poderia comentar sobre a prevalência real dessa doença e por que é importante aumentar a conscientização?
Dr. Leandro Accardo de Mattos: A endometriose afeta entre 10% e 20% de todas as mulheres em idade reprodutiva, sendo mais frequente ainda quando consideramos as pacientes com cólicas menstruais ou outros sintomas ginecológicos. Precisamos investir no diagnóstico precoce, quebrando o tabu de que sentir cólicas menstruais é normal. Dessa forma, faremos o diagnóstico cada vez mais cedo, minimizando sofrimentos e o desenvolvimento de casos mais avançados.