Covid-22 x Covid-19: de uma pandemia para uma endemia?
A única certeza que temos sobre o futuro da Covid-19 é a incerteza. Mas precisamos nos adaptar à nova realidade, sem que a Covid-19 domine as nossas vidas
α (alfa), β (beta) , γ ( gama) ,δ (delta),ε(épsilon), ζ (zeta) , η (eta), θ( teta),
ι (iota), κ(capa), λ( lambda), μ( mi) , ν( nu), ξ ( xi), ο(omicron), π ( pi), ρ ( rô),
σ(sigma), τ( tau), υ( upsilon), φ ( fi), χ ( chi) ,ψ( psi), ω(omega):
Composto por 24 letras, este é o alfabeto grego, criado há séculos atrás, mas que nunca foi tão familiar para todos nós, ou melhor, cinco letras deste alfabeto se tornaram parte das nossas vidas recentemente: alfa, beta, delta, gama e ômicron como as variantes do vírus Sars-cov-2, que causa a doença Covid-19.
Recentemente, a famosa revista multidisciplinar Nature perguntou a mais de 100 infectologistas , imunologistas e virologistas que trabalham com o coronavírus se ele poderia ser erradicado. Quase 90% dos entrevistados responderam que o coronavírus de uma epidemia se tornará uma endemia, ou seja, o Sars-cov 2 ,o vírus que causa a Covid-19, continuará circulando em todo o mundo. A erradicação do novo coronavírus mesmo com a vacinação em massa, como foi com a poliomielite, é um cenário muito improvável atualmente.
O fato é que quando existe uma doença endêmica, ou seja, que permanece circulando entre toda população mundial, a sociedade precisa aprender a viver de acordo com esta realidade, que apresenta peculiaridades distintas quando comparada a uma pandemia.
Assim como o Sars-cov-2 está se adaptando, precisamos nos adaptar à nova realidade: estamos vivendo a transição de uma epidemia global para um endemia mundial. Quanto mais rápido nos adaptarmos, menos a Covid-19 dominará nossas vidas. O fato de não erradicarmos o vírus não significa que as mortes, as doenças graves ou o isolamento social continuarão nas escalas vistas até agora.
A única certeza que temos sobre o futuro da Covid-19 é a incerteza.
Ninguém é capaz de prever o que virá pela frente. Dependemos de muitas variáveis, como o tipo de imunidade que as pessoas irão adquirir com a vacinação e através das próprias infecções, e de como o vírus irá evoluir.
A gripe (influenza) e os quatro outros coronavírus humanos que causam resfriados comuns também são endêmicos, mas uma combinação de vacinas anuais com imunidade adquirida populacional faz com que o mundo todo se proteja das mortes causadas por estas doenças sazonais sem a utilização de restrições maiores.
Hoje, há algumas horas atrás, a OMS (organização mundial de saúde) acabou de relatar, o maior número de novos casos globais de Covid-19, desde o início da pandemia, referente ao período de 17 a 23 de janeiro, os casos de Covid-19 aumentaram 5% em comparação com a semana anterior, com mais de 21 milhões de novos casos relatados.
Em todas as seis regiões da OMS, representando o maior número de casos semanais registrados desde o início da pandemia, portanto, o ano de 2022 é o ano em que o mundo deve aceitar o fato de que o SARS-CoV-2 veio para ficar.
Um novo estudo, publicado semana passada, feito em colaboração entre o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) nos EUA e o Kaiser Permanente, demonstrou que as infecções pela variante ômicron estão associadas a uma redução de 91% no risco de morte em comparação pelas infecções pela variante Delta. Embora este estudo ainda esteja em pré-print, ou seja não tenha sido revisado por pares, os dados chamam atenção , uma vez que foram avaliados 52 297 casos de Ômicron e 16 982 casos de Delta. Os envolvidos testaram positivo nos EUA entre 30 de novembro de 2021 e 1 de janeiro de 2022.
No estudo nenhum paciente com a Ômicron no estudo necessitou de ventilação mecânica.
Além disso, pacientes infectados pela Ômicron tiveram uma duração menor na internação quando comparados aos pacientes infectados pela Delta. A duração da internação foi aproximadamente 70% menor, com a mediana de permanências sendo de 1,5 dias para Ômicron, em comparação com cerca de cinco dias para Delta.
Embora estejamos vendo, de fato, evidências precoces de que a Ômicron é menos grave do que a Delta e que os infectados são menos propensos a precisar de hospitalização, é importante notar que o Ômicron continua sendo muito mais transmissível do que o Delta.
Uma coisa não mudou:
pacientes vacinados continuam a apresentar menores chances de contrair doenças graves pela Ômicron ou qualquer outra da variante do SARS cov 2.
Mas a notícia não é tão boa quanto parece. De acordo com o CDC, a média de novos casos da Omicron é 5 vezes maior que a de Delta. O Aumento rápido nos casos estão levando a aumentos de hospitalizações e mortes, especialmente entre os não vacinados, e podem continuar a aumentar por várias semanas, mesmo depois que o número de casos começar a diminuir, o que acaba por saturar os sistemas de saúde e os profissionais de saúde em todo o mundo.
Pacientes que não são vacinados correm um risco muito maior de doença grave causada por Ômicron do que aqueles que são vacinados, assim como por qualquer outra variante.
O risco de morte por Delta entre os não vacinados foi pelo menos 10 vezes maior do que o risco de morte entre os vacinados.
Dados divulgados, na semana passada, pelo CDC, mostraram que adultos com 65 anos ou mais que não são vacinados contra COVID-19 têm 49 vezes mais chances de serem hospitalizados do que idosos que receberam 3 doses da vacina. Da mesma forma, adultos não vacinados com idades entre 50 e 64 anos apresentam 44 vezes mais chances de ir ao hospital em comparação aos adultos com as três doses. Adultos não vacinados de 18 a 49 anos tiveram 12 vezes mais chances de serem hospitalizados em comparação com os não vacinados. Pacientes de 12 a 17 anos não vacinados tiveram nove vezes mais chances de serem hospitalizados em comparação com os vacinados.
Individualmente, para pessoas vacinadas, a Covid-19 causada por Ômicron, a “Covid-22”, pode ser semelhante em sintomas à gripe (influenza) em muitos aspectos.
Para a grande maioria das pessoas vacinadas, é provável que a Omicron cause sintomas como: dor de garganta, congestão nasal, dor de cabeça, fadiga, diarreia, vômitos, perda de apetite e tosse.
Embora também possam ocorrer, a febre e perda ou alteração do paladar e do olfato não parecem ser tão comuns como nas variantes prévias do Sars-cov-2.
A variante Ômicron é tão transmissível que está sendo comparada, neste aspecto, por muitos especialistas, ao sarampo. Por isso, se hoje você tiver os sintomas de gripe, consulte seu médico e não duvide, provavelmente será Covid!
Não podemos prever o futuro da Covid-19, mas podemos aumentar nossa resiliência e capacidade de se adaptar à nova realidade. Isso não significa que a Covid-19 tenha que dominar nossas vidas. Podemos fazer uma grande diferença tomando ações simples para limitar a transmissão, proteger os mais vulneráveis da infecção e proteger os cuidados de saúde. Além disso, novos medicamentos antivirais já estão no mercado, podendo ser administrados no início da infecção para reduzir a chance de doença grave e morte.
O que vem pela frente?
O Reino Unido está avançando com seu plano de aprender a conviver com o novo coronavírus. A partir desta quinta-feira, às pessoas na Inglaterra não precisarão mais mostrar seus passes Covid para entrar em boates e outros grandes locais. As máscaras deixam de ser obrigatórias em quaisquer locais públicos, embora continuem a ser recomendadas nos transportes públicos.
A Holanda reabriu quase todos os seus serviços, hotelaria e lazer, após um bloqueio prolongado.
A Dinamarca, que no passado fez muitas restrições, declarou que algumas de suas regras estão encerradas para a pandemia.
O governo francês anunciou na semana passada que começará a relaxar suas regras do Covid-19 na próxima semana, apesar de relatar alguns dos maiores números de casos de toda a pandemia.
Como podemos nos preparar para o que ainda vai acontecer ?
O ser humano é dependente dos vínculos com outros humanos e é gregário por natureza. O isolamento que tanto nos protegeu, muito nos feriu também. Os casos de depressão e ansiedade aumentaram muito. O risco de adolescentes se entregarem às drogas e ao suicídio também causa preocupação e espanto. O impacto das nossas crianças diante de um mundo de pessoas sem face é algo que ainda teremos que descobrir no futuro. Por fim, algumas indagações são necessárias e relevantes.
Caso nesse novo trajeto o vírus venha ganhar uma forma mais benigna e com os novos recursos que temos para combatê-lo, até quando teremos que temê-lo como no início dessa triste jornada. Com a população emocionalmente tão comprometida e com as economias mundiais esfaceladas quanto mais se justifica a repetição das estratégias de defesa que meramente repetiam aquelas de cem anos atrás.
Vale ainda lembrar que, no início, ainda tínhamos a esperança que este seria um evento de curta duração.. Agora sabendo que não é assim, e com os novos recursos que possuímos, talvez seja a hora de adotarmos algumas flexibilizações que poderão avançar ou recuar dependendo da nossa percepção de risco dentro dessa verdadeira era dos vírus.
Se hoje temos a impressão que o vírus chegou para ficar, aprendemos que o isolamento prolongado adoece mais do que protege. Precisamos ainda aprender como seguir em frente, munidos das nossas novas armas de proteção e com menos medo dos vírus do que da solidão.
O médico e escritor Viktor Frankl, fundador da logoterapia, considerada a terceira escola vienense de psicoterapia (as outras duas são as de Freud e Adler) em seu livro “Em busca de sentido”, ele expõe que para ele a busca do indivíduo por um sentido na vida é a força motivadora primária para o ser humano.
“Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.Não importa o que nós ainda temos a esperar da vida,mas sim o que a vida espera de nós.”(Viktor Frankl).
Precisamos, de fato, manter cautela, mas fazer o nosso melhor para que “nenhuma letra do alfabeto grego”, faça com que o medo de morrer, nos deixe de continuar a viver.
Artigo escrito por
Dr.Fabiano M. Serfaty é médico especialista em clínica médica e endocrinologia. Colunista da Veja Rio. Mestre em endocrinologia;
Dr. José Alberto Zusman é médico especialista em psiquiatria. Presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro(SPRJ), Pós doutor UFRJ/Harvard, Full Member da Comissão de Saúde da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), Professor da Pós Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental (IPUB);
Dr. Marcelo Kalichsztein é médico especialista em clínica médica, pneumologia e terapia intensiva. Mestre em clínica médica ênfase pneumologia. Especialista em terapia intensiva pela AMIB. Coordenador do CTI da Casa de Saúde São José no Rio de Janeiro;
Dr. Mario Fritsch é médico especialista em clínica médica e cardiologia. Prof Titular de Clínica Médica da Faculdade de Ciencias Medicas da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Fontes:
1.COVID is here to stay: countries must decide how to adapt. Nature 601, 165 (2022).Jan 2022.
https://doi.org/10.1038/d41586-022-00057-y
2.Clinical outcomes among patients infected with Omicron (B.1.1.529) SARS-CoV-2 variant in southern California. medRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2022.01.11.22269045; this version posted January 11, 2022.
3.The coronavirus is here to stay — here’s what that means. Nature 590, 382-384 (2021)
doi: https://doi.org/10.1038/d41586-021-00396-2
4.https://covid.cdc.gov/covid-data-tracker/#covidnet-hospitalizations-vaccination
5.Em Busca de Sentido.Um Psicólogo no Campo de Concentração .Viktor E. Frankl.
trotzdem Ja zum Leben sagen é o título do original alemão, Parte I. (c) 1977, SA
edição 1981 by Kõsel-Verlag GmbH & Co., München. Tradução de Walter O. Schlupp.
Basic Concepts of Logotherapy é o título original da Parte II, publicado em “Man`s Search
for Meaning”, na edição revista e atualizada de 1984, por Simon &Schuster, Inc., New York,
1984 by Viktor Frankl. Tradução de Walter O. Schlupp.