Conheca o novo exame de sangue para diagnósticar e acompanhar o Alzheimer
O p-tau217 auxilia no diagnóstico precoce e no acompanhamento da progressão da doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência.

A doença de Alzheimer (DA) é amplamente reconhecida como a principal causa de demência no mundo, responsável por cerca de 60% a 70% dos casos, segundo a organização Mundial da Saúde (OMS). Por décadas, o diagnóstico dessa condição neurodegenerativa dependeu de avaliações clínicas subjetivas, testes cognitivos e, mais recentemente, exames caros e invasivos, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) para amiloide e a análise de líquido cefalorraquidiano (LCR) via punção lombar. No entanto, a aprovação de terapias modificadoras da doença, como o aducanumabe em 2021 e o lecanemabe em 2023, ambos voltados para reduzir as placas beta-amiloides no cérebro, mudou o jogo. Esses avanços trouxeram à tona a necessidade urgente de biomarcadores confiáveis, acessíveis e capazes de detectar a DA em seus estágios iniciais, antes que os danos neuronais sejam irreversíveis. É nesse contexto que o p-tau217, uma proteína tau fosforilada mensurada no plasma sanguíneo, emerge como uma inovação revolucionária. Esse biomarcador não apenas identifica a presença de patologia amiloide e tau (os dois pilares biológicos da DA) com alta precisão, mas também se posiciona como uma alternativa prática aos métodos tradicionais, prometendo democratizar o diagnóstico precoce. A relevância do p-tau217 vai além: ele é essencial para selecionar pacientes aptos a receber os novos tratamentos, monitorar a eficácia dessas terapias e reduzir custos e riscos associados a intervenções inadequadas. Para explorar em profundidade o impacto do p-tau217 no combate à DA, convidei o Dr. Hélio Magarinos Torres Filho, patologista e diretor médico do Richet Medicina & Diagnóstico, para compartilhar seu conhecimento sobre como esse biomarcador está redefinindo o diagnóstico, o tratamento e a gestão da doença de Alzheimer no Brasil e no mundo.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que é exatamente o p-tau217 e por que ele se tornou um biomarcador tão essencial no contexto atual da doença de Alzheimer?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: O p-tau217 é uma variante da proteína tau que passa por um processo de fosforilação na posição treonina 217, um evento que ocorre de forma significativa na presença das placas beta-amiloides, que são depósitos de proteína tóxica no cérebro e um dos sinais mais característicos da DA. Diferente de outras proteínas tau, como a p-tau181 ou a tau total, o p-tau217 demonstrou em estudos recentes uma correlação excepcionalmente forte com a patologia amiloide e os emaranhados neurofibrilares de tau, que juntos formam a base biológica da doença. Sua relevância explodiu com o advento de medicamentos modificadores, como o aducanumabe e o lecanemabe, aprovados pela FDA americana e que agora estão sendo avaliados em outros países. Esses tratamentos, que utilizam anticorpos monoclonais para remover as placas beta-amiloides, só são eficazes e indicados para pacientes com patologia amiloide confirmada e em estágios iniciais da doença. O p-tau217, mensurado em uma simples coleta de sangue, permite essa triagem com precisão, identificando a doença antes que os sintomas cognitivos graves se instalem, o que é um divisor de águas para conectar o diagnóstico precoce à terapia personalizada.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais pacientes se beneficiam mais desse teste e como ele pode impactar o curso da doença?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: Os maiores beneficiados são indivíduos nos estágios iniciais da DA, particularmente aqueles com comprometimento cognitivo leve ou demência leve. Nessas fases, os sintomas ainda são sutis (como lapsos de memória ou dificuldade em planejar tarefas), mas a patologia já está ativa no cérebro. O p-tau217 detecta essas alterações antes que os danos neuronais sejam extensos, oferecendo uma janela crítica para intervenções, sejam elas medicamentosas, como os novos anticorpos monoclonais, ou estratégias preventivas, como mudanças no estilo de vida. Além disso, ele é uma ferramenta poderosa para o acompanhamento longitudinal: ao monitorar os níveis de p-tau217 ao longo do tempo, podemos avaliar se um tratamento está reduzindo a carga patológica, o que é especialmente valioso em ensaios clínicos e na prática clínica, permitindo ajustes terapêuticos baseados em evidências biológicas, e não apenas em sintomas.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como o p-tau217 se compara a outros métodos diagnósticos, como o exame de líquor, o PET amiloide ou até mesmo outros biomarcadores tau?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: O p-tau217 se destaca por sua especificidade e praticidade. Comparado ao p-tau181, outro biomarcador tau amplamente estudado, ele apresenta maior sensibilidade para detectar a interação entre placas amiloides e emaranhados tau, com estudos mostrando uma correlação mais robusta com os resultados de PET amiloide e tau. O PET, que usa traçadores radioativos para visualizar as placas no cérebro, é considerado um padrão ouro, mas exige equipamentos especializados e não está disponível em muitas regiões, especialmente no Brasil. A análise de líquor, por sua vez, envolve uma punção lombar para coletar o líquido cefalorraquidiano, um procedimento invasivo, desconfortável e que exige treinamento específico, além de ter acesso limitado em sistemas de saúde menos estruturados. O p-tau217, medido no plasma, elimina essas barreiras: é um exame de sangue, minimamente invasivo, mais barato e escalável. Pesquisas publicadas mostram que seus resultados têm desempenho diagnóstico comparável ao do líquor e forte alinhamento com o PET, o que o torna uma alternativa viável. Ele também pode ser combinado ao PET em casos mais complexos, mas, sozinho, já oferece uma triagem confiável para a prática clínica cotidiana.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como o teste de p-tau217 pode ser aplicado clinicamente no dia a dia dos médicos?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: A aplicabilidade clínica do p-tau217 é ampla e prática. Na rotina de consultórios e clínicas, ele serve como uma ferramenta inicial de triagem para pacientes com queixas de memória ou sinais leves de declínio cognitivo, ajudando a diferenciar a DA de outras causas de demência, como a demência vascular ou a doença de corpos de Lewy, que têm tratamentos e prognósticos distintos. Para neurologistas, ele é um aliado na decisão sobre quais pacientes devem ser encaminhados para exames mais complexos ou incluídos em protocolos de tratamento com drogas como o lecanemabe. Em hospitais e centros de pesquisa, o teste pode ser usado para estratificar pacientes em ensaios clínicos, garantindo que apenas aqueles com patologia amiloide e tau sejam selecionados. Sua simplicidade (basta uma coleta de sangue ) permite que seja integrado a check-ups de rotina para idosos ou pessoas com histórico familiar de DA, tornando o diagnóstico precoce mais rotineiro e acessível, algo que antes era restrito a centros especializados.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O p-tau217 também desempenha um papel no acompanhamento das novas terapias modificadoras da doença?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: Sim, e esse é um dos aspectos mais promissores. Os novos medicamentos, como o lecanemabe, que foi destaque no Congresso Internacional da Associação de Alzheimer em 2023, precisam de biomarcadores para avaliar sua eficácia ao longo do tempo. A redução nos níveis de p-tau217 no plasma pode indicar que o tratamento está conseguindo frear a cascata patológica da DA, ou seja, diminuindo a formação de placas e emaranhados. Isso já é amplamente adotado em ensaios clínicos como um desfecho secundário, ao lado de exames de imagem, como PET ou ressonância magnética, e testes cognitivos, como o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Na prática clínica, esse monitoramento pode ajudar os médicos a decidir se vale a pena continuar um tratamento caro ou ajustar a abordagem, oferecendo uma medida objetiva do impacto biológico, algo que os testes cognitivos sozinhos não conseguem fornecer de forma tão direta.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Há vantagens éticas ou econômicas no uso desse biomarcador, especialmente considerando o custo elevado das terapias?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: Sem dúvida, os benefícios são tanto éticos quanto econômicos. Terapias como o lecanemabe podem custar dezenas de milhares de reais por ano e têm riscos conhecidos, como edema cerebral ou micro-hemorragias, detectados em cerca de 10% a 20% dos pacientes em estudos. Usar o p-tau217 para confirmar a presença de patologia amiloide antes de iniciar o tratamento evita que pacientes sem DA sejam expostos a esses riscos desnecessariamente, o que é uma questão ética fundamental. Do ponto de vista econômico, essa triagem otimiza os recursos de saúde, direcionando terapias caras apenas a quem realmente precisa, o que é crucial em sistemas públicos como o SUS ou mesmo em planos de saúde privados. Para países como o Brasil, onde o acesso a PET e líquor é restrito a grandes centros urbanos, o p-tau217 representa uma solução prática, acessível e escalável, com potencial para reduzir desigualdades no diagnóstico e no cuidado da DA.
Dr. Fabiano M. Serfaty: É necessário algum preparo especial para realizar o teste de p-tau217?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: Não, o teste é bastante simples e não exige preparo especial por parte do paciente. Diferente de exames como o de glicemia, que pode requerer jejum, ou o PET, que envolve a administração de traçadores radioativos e cuidados específicos, o p-tau217 é coletado como qualquer exame de sangue de rotina. O paciente não precisa jejuar, suspender medicamentos ou seguir restrições alimentares, salvo instruções específicas do médico para casos particulares. Isso torna o procedimento ainda mais conveniente, tanto para o paciente quanto para os laboratórios, facilitando sua integração na prática clínica diária.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quanto tempo o teste demora para ficar pronto após a coleta?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: O tempo de processamento do teste de p-tau217 depende da infraestrutura do laboratório, mas no caso do Richet, que está trazendo essa tecnologia ao Brasil, o prazo estimado é de 10 dias úteis após a coleta. Esse período reflete o cuidado necessário para a análise precisa, já que o teste envolve técnicas avançadas de imunoensaio para detectar os níveis de p-tau217 no plasma. Embora não seja um resultado imediato, como um hemograma simples, os 10 dias são razoáveis para um exame de alta complexidade e permitem que os médicos planejem o acompanhamento ou o início de terapias sem atrasos significativos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O que podemos esperar sobre a disponibilidade desse teste no Brasil e como isso impactará os pacientes?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: Estamos diante de um marco importante: o Richet Medicina & Diagnóstico está finalizando os preparativos para lançar o teste de p-tau217 no Brasil até o fim de abril de 2025. O custo será de R$ 1.800,00, com resultados entregues em 10 dias úteis, o que é competitivo frente a outros exames avançados. Esse passo coloca o Brasil na vanguarda da medicina de precisão para a DA, especialmente considerando que o teste estará disponível em uma rede consolidada de laboratórios. Para os pacientes, isso significa acesso mais rápido e prático a um diagnóstico preciso, algo que antes exigiria viagens a capitais ou espera por equipamentos importados. É um avanço que pode acelerar a identificação de casos em comunidades menos atendidas e abrir portas para a inclusão dessas pessoas em ensaios clínicos ou tratamentos futuros.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Em resumo, qual é o impacto global e local do p-tau217 na neurologia atual e no futuro da DA?
Dr. Hélio Magarinos Torres Filho: O p-tau217 é o futuro da gestão da doença de Alzheimer, tanto globalmente quanto no Brasil. Ele aprimora o diagnóstico precoce ao detectar a doença em fases silenciosas, seleciona com precisão os pacientes que podem se beneficiar de terapias modificadoras, monitora os efeitos biológicos dessas intervenções e substitui métodos mais invasivos e custosos, como o PET e o líquor. No cenário global, ele está pavimentando o caminho para uma abordagem mais personalizada e baseada em evidências, enquanto no Brasil ele tem o potencial de democratizar o acesso ao diagnóstico de ponta, reduzindo barreiras geográficas e econômicas. É uma ponte entre a ciência de última geração e a prática clínica, trazendo esperança concreta para milhões de pacientes e suas famílias, além de oferecer uma ferramenta que pode transformar a forma como enfrentamos a doença de Alzheimer.
Dr Fabiano Serfaty: Como o teste é realizado?
Dr. Helio Magarinos Torres Filho: Durante muitos anos, vem se tentando dosar essas proteínas no sangue; entretanto, como a quantidade circulante é muito baixa, não conseguiam. Atualmente, foram desenvolvidos equipamentos e testes ultrassensíveis, que possibilidade dosagem. O teste é realizado através de uma técnica de imunoensaio extremamente sensível, usado principalmente para pesquisas clínicas chamado Simoa. Em todo o Brasil só existem dois equipamentos desses. O teste foi ajustado e desenvolvido em parceria com pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), que inclusive acaba de ter um importante estudo publicado em uma das revistas mais conceituadas no meio científico, Nature.