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Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD.
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
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Afinal, existe a “Cannabis Medicinal”?

Com a legalização de algumas formas de uso da cannabis em diversos países, a discussão em torno "Cannabis Medicinal" vem ganhando interesse

Por Dr. Fabiano M. Serfaty e Dr. Marcos Gebara.
Atualizado em 30 jul 2023, 16h29 - Publicado em 21 jul 2023, 15h24

A discussão em torno da “Cannabis Medicinal” tem despertado crescente interesse e polêmica na sociedade atual. Com a legalização de algumas formas de uso da cannabis em diversos países, a pergunta que surge é: Afinal, existe a tão alardeada “Cannabis Medicinal”? Com o objetivo de explorar a fundo esse tema complexo e esclarecer os aspectos fundamentais da utilização da cannabis com fins medicinais, este artigo se propõe a examinar as evidências científicas, os desafios regulatórios e os possíveis benefícios e riscos associados ao seu uso terapêutico. Para proporcionar uma análise abrangente e fundamentada sobre o assunto, convido o Dr. Marcos Gebara, Médico Psiquiatra, Presidente da Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e Coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ). As informações técnicas referentes a esta matéria foram fornecidas pelo Dr. Marcelo Allevato, diretor da APERJ, que colaborou para esta entrevista, na qual exploraremos as indicações médicas, as evidências científicas mais recentes, os desafios regulatórios, os possíveis efeitos colaterais e riscos associados ao uso de cannabis medicinal, além das perspectivas futuras para a pesquisa e aplicação terapêutica dessa planta.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Afinal, existe a “Cannabis Medicinal”?

Dr. Marcos Gebara: Essa questão semântica é interessante. Creio que há muita confusão a respeito, uma vez que é comum vermos o termo “medicamentos à base de cannabis” ser utilizado. Os compostos de cannabis atualmente utilizados com fim dito medicinal no Brasil são definidos pela ANVISA como “produtos de Cannabis”, com exceção do nabiximols, nome comercial Mevatyl, um adjuvante no tratamento da espasticidade resistente aos tratamentos convencionais na esclerose múltipla. A diferença é que um medicamento precisa passar por todo um processo de desenvolvimento exigido pelas autoridades regulatórias de cada país ou região para a obtenção de seu registro. O que os produtos de cannabis têm, no Brasil, é autorização sanitária provisória para sua comercialização ou autorização para importação, exclusivamente para uso próprio. Então, é preciso cuidado com os termos “medicamento”, que os produtos de cannabis não são, com a exceção citada, e as alegadas propriedades medicinais de produtos de cannabis, que não possuem evidências suficientes para registro como medicamentos em nenhuma indicação.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são as principais aplicações médicas da Cannabis e como tem sido utilizada na prática clínica?

Dr. Marcos Gebara: As indicações médicas formais e baseadas em evidências referem-se ao canabidiol puro na concentração de 100mg/ml, estão restritas ao tratamento das convulsões nas síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e no complexo da Esclerose Tuberosa, no caso do único medicamento à base de canabidiol registrado no mundo, cujo nome comercial é Epidiolex, não registrado no Brasil. A indicação do Mevatyl (nabiximols) foi citada na resposta anterior. Há utilização de formas sintéticas de THC, a nabilona e o dronabinol, para tratamento de náuseas associadas à quimioterapia e da caquexia, mas esses compostos não estão disponíveis no Brasil.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são as evidências científicas mais recentes sobre a eficácia da Cannabis medicinal no tratamento de doenças específicas?

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Dr. Marcos Gebara: O campo de pesquisas sobre os componentes da cannabis isolados ou em associação é uma área promissora em termos de farmacologia, na qual há muitas publicações, porém poucas evidências de alto nível são produzidas, com um número restrito de estudos originais publicados e uma maioria de artigos de revisão ou de evidências de nível baixo a intermediário, como relatos de caso e estudos observacionais. É importante lembrar que um relato de caso ou de séries de casos só é evidência, e de baixo nível, se os dados forem publicados. Relatos coloquiais, depoimentos e testemunhos não são evidências do ponto de vista científico. No caso específico da psiquiatria ainda não foram produzidas evidências robustas que permitam a obtenção de registro como medicamentos nem sua utilização disseminada em nenhuma indicação, o que não significa que devamos desconhecer o potencial farmacológico de intervenções que atuem em alvos farmacológicos do sistema endocanabinoide nem esmorecer nos esforços e investimento em pesquisa nessa área.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Como a legalização da Cannabis medicinal tem afetado o acesso dos pacientes a tratamentos alternativos e convencionais?

Dr. Marcos Gebara: Embora não tenha conhecimento de dados estatísticos a esse respeito, é evidente que há um esforço promocional significativo das empresas de cannabis. Do ponto de vista da utilização, a impressão é que tais compostos são habitualmente utilizados em associação com medicamentos convencionais. Se influenciam a utilização de outros métodos de tratamento ditos alternativos é uma questão difícil de avaliar. É importante lembrar que a ANVISA autoriza o uso de produtos de cannabis apenas quando esgotadas as alternativas terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são os possíveis efeitos colaterais e riscos associados ao uso de Cannabis medicinal, e como eles são monitorados e mitigados?

Dr. Marcos Gebara: Essa questão é complexa, uma vez que cada produto tem uma concentração peculiar de componentes da planta, e isso dificulta a avaliação de efeitos terapêuticos e colaterais. No caso do canabidiol isolado, os efeitos mais frequentes nos estudos clínicos do medicamento Epidiolex foram sonolência, alterações de apetite, diarreia, elevação de enzimas hepáticas, fadiga e alterações do sono. É preciso não negligenciar o risco de hepatotoxicidade e de interações medicamentosas com outros tratamentos eventualmente em curso.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Como a pesquisa em Cannabis medicinal tem evoluído ao longo dos anos e quais são as perspectivas futuras para seu uso terapêutico?

Dr. Marcos Gebara: A identificação do sistema endocanabinoide e seus componentes é relativamente recente, com início há cerca de 60 anos e descobertas esparsas por muito tempo. Atualmente podemos citar os programas desenvolvimento de medicamentos que atuam em alvos farmacológicos específicos no sistema endocanabinoide e o desenvolvimento de estudos clínicos com metodologia adequada avaliando componentes isolados da planta ou combinações fixas destes como exemplos de esforços para a produção de evidências que permitam demonstração da eficácia, segurança e tolerabilidade de tais compostos. O sucesso de tais iniciativas tornaria possível aos produtos de cannabis a obtenção de aprovação regulatória e tornaria adequada a denominação medicamentos. A utilização comercial de compostos heterogêneos e sem evidências consistentes não irá estimular o investimento em pesquisa capaz de gerar evidências de alto nível. Nos dias 4 e 5 de Agosto ocorrerá, no Teatro Fashion Mall, a XXV Jornada de Psiquiatria da APERJ (Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro), cujo tema será “A Psiquiatria nos Tempos da Inteligência Artificial”. Nesta ocasião, o Dr. Marcelo Allevato, um dos maiores estudiosos no país do que foi discorrido acima, esquadrinhando o assunto em profundidade muito maior, proferirá a conferência “Cannabis Medicinal existe”? Aos interessados basta acessar o Instagram @aperj2022, onde se pode encontrar, na “bio”, o programa completo e o link para inscrição.

Profissional convidado:

Dr. Marcos Gebara;
Médico Psiquiatra;
Presidente da APERJ;
Coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CREMERJ.
@aperj2022
@marcosgebarapsiquiatria

Colaboração:

Dr. Marcelo Allevato;
Médico Psiquiatra;
Diretor da APERJ.

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