Pacto prioritário para banir discriminações dos estádios
Embora precisa de ajustes, endurecimento de punições contra crimes como injúria racial evoca responsabilidade conjunta de erradicá-los das arquibancadas
Tragédias como os terremotos na Turquia e na Síria nos confrontam com a escala de prioridades não raramente contaminada por preocupações rasteiras, mesquinhas, prepotentes. Revê-la supõe-se um exercício constante, inclusive para o universo esportivo.
Os mais de 37 mil mortos e cinco milhões de desabrigados emitem pedagógicos recados além da nossa imprevidente fragilidade diante das convulsões planetárias. Expõem o pior e o melhor da natureza humana. Socorros comoventes misturam-se à indiferença de manobras governamentais que cruelmente os restringem.
Contradições assim evidenciam nossa dificuldade em honrar o pacto prioritário em torno da vida e da dignidade. Formalizado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, ecoa nas matrizes legais dos países democráticos. Nem por isso fica imune a ambições políticas e econômicas destituídas de senso comunitário.
A dificuldade se reflete na tolerância velada a discriminações cometidas em estádios, arenas, ginásios, como se fossem inerentes ao carnaval da arquibancada ou apêndices incuráveis de preconceitos estruturais na sociedade. O equívoco inibe a responsabilidade de efetivamente tratá-las com o rigor aplicado a crimes tipificados na Constituição e nas legislações civil, penal, esportiva.
Uma responsabilidade conjunta, extensiva a gestores privados e públicos, clubes e federações, atletas e comissões técnicas, torcedores e patrocinadores. Deles espera-se uma convergência de esforços para o amadurecimento coordenado de táticas educativas, normativas, fiscalizadoras, punitivas.
Recém-instituído pela CBF, o endurecimento de sanções a ataques discriminatórios representa um passo à frente. Embora careça de aperfeiçoamentos, alinha-se à necessidade de ajustar punições esportivas, econômicas e criminais à gravidade das agressões racistas, machistas, homofóbicas, xenófobas.
Qualquer desvio deste curso pereniza paliativos, limita o repúdio à bainha retórica. E nos leva ao beco da cumplicidade.
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Só os deuses sabem
Artilheiros que nem Cano nasceram para derrubar comentaristas. Mal é notado no clássico contra o Vasco. Inofensivo igual uma folha caída no quintal. Eis que a bola sobra para o primeiro chute certeiro. Cano sendo Cano.
O atacante tricolor volta a hibernar. Segue opaco até o lampejo próximo do minuto final. Mais do que decisiva, a segunda exceção configura-se antológica: golaço de cobertura, lá do meio da rua, daquelas pinturas aplaudidas até pelos adversários, multiplicada em memes, eternizada como apenas o Maraca consegue eternizar.
Quem ousaria cogitar a sua substituição em dias apagados? Só os deuses da bola, e talvez o Sobrenatural de Almeida, sabem o que fazer.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.