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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Gangorra do futebol desliza entre abóboras e carruagens

Enquanto analistas tentam explicar as súbitas ascensão alvinegra e queda tricolor, a resenha na feira se mantém deliciosamente superficial

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Atualizado em 5 jul 2023, 12h54 - Publicado em 5 jul 2023, 09h23
Tiquinho Soares, centroavante do Botafogo, comemora o gol
Tiquinho comanda o reencontro botafoguense com o orgulho, o sorriso, o otimismo -  (Foto de Vitor Silva - Botafogo/Divulgação)
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Os botecos caçoaram. Vaca na árvore: não se sabe como subiu mas logo cai, zoavam as praças, as repartições, as redes. Sob o brilho da estrela renascida, os memes aos poucos se apagaram.

Desconfiança e deboche convertem-se em admiração. O título é logo ali, reconhecem as esquinas. Céticos se arrepiam.

Entre o entusiasmo comedido e a euforia, botafoguenses redescobrem o orgulho, o sorriso, o otimismo. Celebram os êxitos sucessivos, a liderança prolongada, a consistência dos campeões.

Curtem o artilheiro Tiquinho, centroavante exemplar da temporada nacional. Quase um marciano, um forasteiro bom de bola até então desconhecido inclusive da imprensa.

A felicidade em preto e branco jorra igual pororoca. Incontrolável.

“Embalou. Ninguém segura”, decreta o empolgado.

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“O time encaixou. Difícil é se manter no topo”, contém-se o ponderado.

“Falta ainda muito campeonato”, ressalva o secador.

O empolgado retruca:

“A distância só aumenta. Todos comendo poeira do cavalo paraguaio”.

“Fogo de palha. Não se lambuze demais. Daqui a pouco o melado acaba”, provoca o rubro-negro.

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“Quanto mais secam, mais somem no retrovisor. Têm que aturar”.

“Quem te viu, quem te vê. Há pouco tempo você detonava o técnico, os jogadores e a SAF pelo fiasco no Carioca. Chegou a jurar, aqui mesmo nessa feira, que deixava de torcer pro Botafogo”.

“Águas passadas, meu amigo. Agora eu tiro onda. Melhor do Brasil”.

“Aproveita, porque é alegria de pobre. Não dura. No fim das contas, vai dar Mengão”.

“Deixa de marra. Não ganharam nada no ano. Vai dar Fogão, fácil”.

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Com cuidado para não irritar os fregueses, o tricolor da barraca ao lado chega junto:

“Por enquanto, só o Fluminense pode comemorar. Bicampeão carioca com chocolate sobre o Flamengo na final”.

“E se contentem com isso, porque a carruagem virou abóbora. Daqui em diante, eu repito, só vai dar Mengão”.

“Que nada. É a vez do Botafogo”.

“Tudo espuma. O Fluzão vai se recuperar. A Liberta é nossa”.

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Imprensado entre sonhos alheios, o vascaíno rompe o silêncio imposto pelo fantasma do rebaixamento. Em vez do choro, recruta as últimas reservas de espirituosidade:

“Sensação mesmo será a volta por cima do Vasco. É o time da virada”.

Os risos ecoam até a barraca do peixe. Não conhecem compaixão.

Em meio a verduras, bananas, tomates, o botafoguense eufórico, o rubro-negro confiante, o tricolor ressabiado, o vascaíno desesperado recalibram os sarrafos e as cornetadas. Escaldados pelas gangorras da vida, saboreiam a doce superficialidade das resenhas na feira. Vestem o manequim do futebol.

Analistas profissionais não têm a mesma sorte. Precisam desencavar explicações racionais para a transformação da abóbora alvinegra, precocemente eliminada no Estadual, numa carruagem turbinada. Mantidos os jogadores e o comandante, que mudanças operaram a mágica em menos de três meses?

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Alguns cronistas apontam a simetria do bom elenco comprado pelo acionista. Poucos se valem de tamanha proximidade entre titulares e reservas. Virtude dourada pelo talento regular da espinha dorsal: Perri, Adryelson, Eduardo, Tiquinho.

Mesas-redondas destacam também o ambiente harmônico, amparado na segurança financeira, e a perseverança com o trabalho do técnico Luís Castro. O português resistiu às piores fases, à impaciência da torcida. À fortuna árabe, não havia jeito de resistir.

Desafio analítico equivalente se debruça sobre a carruagem tricolor rebaixada a abóbora. Que ervas daninhas contaminam o jardim de delícias orquestrado por Fernando Diniz e sua turma? O que teria murchado aquele carrossel envolvente, ofensivo, inspirador, dono de atuações encantadoras no primeiro semestre?

O declínio viria, especulam os catedráticos, da tormenta formada por uma convergência de nebulosidades: contusões de peças-chave, reposições discrepantes, invenções malsucedidas do treinador, inflexibilidade tática, desgaste físico, racha interno. Ufa!

Torcedores do Flu festeja vitória, com pós de arroz
Pó de arroz tricolor (João Moura/Reprodução)

Descontados os exageros e as desinformações, os sinais de fumaça mapeados justificam, em parte, os fogos ladeira acima e ladeira abaixo. Ainda assim, o curso da bola teima em ironizar diagnósticos exatos.

Outras parcelas das súbitas ascensão alvinegra e queda tricolor permanecerão inexplicáveis. Pertencem ao insondável.

Nem os deuses se metem a descobrir a fundo por que abóboras viram carruagens, e vice-versa. Tampouco atrevem-se a arriscar a duração do feitiço. Uma coisa todos sabemos: meia dúzia de vitórias ou derrotas acumuladas costumam separar o paraíso do inferno.

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Pedalada corporativa

O polêmico contrato-tampão de Fernando Diniz na seleção, antecipado pelos repórteres Bruno Cassucci, Cahê Mota, Eric Faria e Marcelo Braga, configura uma pedalada ético-gerencial. Suas dimensões ultrapassam os desafios de conciliar as rotinas nas Laranjeiras e na Comary; de preparar o terreno para a suposta chegada, em um ano, do cobiçado Carlo Ancelotti; e de deixar o Brasil com cara de Brasil.

Comissões técnicas bem estruturadas facilitariam a compatibilidade das agendas e maratonas logísticas. Não atenuariam, contudo, inevitáveis conflitos de interesses.

A prática insinua-se menos simples do que sugere o acordo entre o treinador, a Confederação e o Fluminense, cujos ganhos de visibilidade e prestígio podem favorecer o marketing, os negócios, não o desempenho nos gramados. A jornada dupla tende a caminhar no fio da navalha, sobretudo se a Canarinho e/ou o Tricolor decepcionarem.

Mesmo que a jogada prospere, revela-se uma jabuticaba corporativa. Por razões éticas, estratégicas e operacionais, organizações não compartilham gestores de alto escalão. O cuidado alinha-se às preocupações crescentes com governança, sem a qual nenhuma instituição adquire a confiança necessária para se manter de pé.

Os desacertos não tiram o mérito da escolha. O jogo idealizado por Diniz casa com a identidade esportiva e cultural da seleção. Resgatá-la é bem mais difícil do que a barbada de levá-la à Copa de 2026.

Se o casamento vingará, são outros quinhentos.

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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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