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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Centenária recusa à segregação nos confronta com o futuro

Marco antirracista, a dissidência vascaína à interdição de pretos e pobres no futebol ilumina a urgência de um pacto efetivo contra as discriminações

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Atualizado em 12 abr 2024, 17h08 - Publicado em 12 abr 2024, 15h45

O centenário da Resposta vascaína contra a exclusão desperta exposições, publicações, documentários. A inspiradora dissidência merece luz cativa da memória. Incansavelmente cativa e ativa.

O marco antirracista desbravou a entrada de pretos e pobres num futebol elitista, ainda amador. Iniciado em clubes de bairro, suburbanos, o movimento desembocaria, décadas à frente, na mobilidade socioeconômica sonhada por moleques invisíveis das periferias, dos grotões, das favelas.

Fatos assim, revestidos de densidade histórica e simbólica, extrapolam efemérides. Indicam o que fomos, o que somos, o que queremos ser. Lembrá-los constitui uma responsabilidade coletiva.

Espírito do tempo, o veto a atletas analfabetos no Carioca de 1924 espelhava a sociedade estampada por Mário Filho em “O negro no futebol brasileiro”. A jogada da Associação Metropolitana de Esportes Atheticos (Amea) retratava a mentalidade escravocrata reinante, cujas manifestações até hoje recebem indulto no território esportivo.

Não é raro confundi-las com traços do folclore futebolístico, como se equivalessem às provocações amistosas entre torcedores. O equívoco abastece segregações comparáveis à perpetrada pela Amea. Formada por Botafogo, Fluminense, Flamengo, América e Bangu, resguardava os domínios da elite branca.

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A tal proibição mutilaria o miscigenado e ascendente Vasco. Se a cumprisse, o intruso no ninho perderia 12 dos campeões de 1923. Um retrocesso ao protagonismo esportivo almejado.

A emblemática façanha dos Camisas Negras, como a posteridade os saudaria, prenunciava o brilho da negritude nos títulos e nos encantos pelos quais o Brasil conquistaria o mundo. Antes o virtuosismo precisou superar a retranca da ordem econômica e política.

A canetada protecionista representava mais do que um maquiavélico corte nas asas do clube de raízes portugueses e time mestiço. Expressava os esforços em barrar arroubos de inclusão e igualdade.

A progressiva entrada de jogadores pretos configurava menos um cochilo do racismo visceral que uma concessão ao apelo mercantil do esporte que se profissionalizava e se popularizava. Dela brotaram Domingos da Guia, Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha (foto), Pelé, Júnior, Ronaldinho, Neymar.

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O legado nos rendeu pódios, prestígio global, orgulho, nos aproximou da beleza que acende a vista e a alma, embalou nossa identidade cultural. Seria insuficiente, contudo, ao milagre da democratização racial imaginada por Gilberto Freyre.

A segregação prolonga-se com a resistência de uma superbactéria. Perpetua-se na escassez negra em comandos técnicos e cargos diretivos; nas ofensas das arquibancadas, das ruas, das redes; pior: nas manobras para naturalizá-las, relativizá-las, esquecê-las.

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol alerta: de dez profissionais da área, quatro já sofreram racismo. A proporção corresponde às denúncias oficiais registradas na CBF. Mais da metade concentra-se em estádios.

A reincidência caracteriza “uma doença diária que o Brasil não quer tratar”, assinala o ex-árbitro Márcio Chagas, vítima de insultos e agressões racistas quando apitava partida do campeonato gaúcho de 2014. O diagnóstico integra a série documental homônima ao clássico de Mário Filho, dirigida por Gustavo Acioli.

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No trecho seguinte do filme, o ex-atacante e técnico Cláudio Adão cutuca a ferida estrutural: “A gente sempre sofre no colégio, no vizinho”. Os relatos, análises e casos costurados por Acioli expõem tanto a latitude do racismo no futebol, suas dicções, suas camuflagens, seus horrores, quanto a necessidade de converter indignações retóricas num combate rigoroso e efetivo às discriminações.

A urgência impõe um pacto plurissetorial contra o descaso, a complacência, a impunidade. Envolve amadurecimentos preventivos, punitivos, educativos. Exige a adesão incondicional de clubes, federações, atletas, treinadores, investidores, torcedores, legisladores, dirigentes privados e públicos.

Sobram condições profissionais e tecnológicas para espanar as violências e interdições racistas. Faltam, de costume, escrúpulo cívico e pudor político comprometidos em abolir preconceitos atrelados a opressões, conveniências e ambições historicamente dominantes.

Uma transformação dessas – complexa, difícil, gradual – exige também coragem e envergadura moral. Exige um delicado equilíbrio entre paciência e tenacidade. Exige um diálogo permanente da memória com o horizonte desejável.

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Por isso a recusa vascaína em embarcar na exclusão merece uma luz cativa e ativa. Jamais deve ser esquecida. Nela nos confrontamos com um dilema insone: que horizonte desejamos construir?

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Adolescente ativo, adulto saudável

Adolescentes ativos viram adultos mais saudáveis, aponta a pesquisa recém-divulgada “State of Mind”. O segundo estudo global da Asics comprova que atividade física regular na adolescência propicia bem-estar mental na vida adulta.

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Brasileiros entre 15 e 17 anos que se exercitam pelo menos 150 minutos por semana tendem a se tornar adultos contentes, resilientes, confiantes e concentrados, entre outros parâmetros cognitivos e emocionais. Aqueles que se mantêm ativos até os 22 anos mostram-se, em média, 13% mais equilibrados e 9% mais felizes em relação aos que abandonam o hábito.

Tais benefícios opõem-se a uma constatação preocupante da pesquisa: cada vez mais jovens deixam de se exercitar, e cada vez mais cedo. O sedentarismo aumenta o risco de transtornos mentais e físicos, alertam profissionais da saúde.

A prática esportiva é um dos cuidados preventivos mais eficientes, ao lado da alimentação balanceada, das boas noites de sono e dos exames médicos periódicos. Esses hábitos combinados afastam ou controlam ameaças como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, depressão.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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