Beach tenis desponta no cenário esportivo do Rio
Simples e inclusivo, modalidade tem vocação para ser adaptada a escolas e praças
Nem o Sobrenatural de Almeida ousaria entender por que o rebatismo do Maracanã constitui prioridade parlamentar em plena guerra sanitária. Sem desmerecer a reverência ao rei do futebol, há uma trinca de motivos para a caneta do governador Cláudio Castro enterrar a proposta do presidente da Alerj, André Ceciliano, aprovada por seus pares.
O primeiro evoca uma justiça histórica: a homenagem póstuma a Mário Filho mantém-se imbatível. O jornalista, escritor e empresário foi tão decisivo para o nascimento e a mística do Maracanã quanto foi Pelé para as Copas de 58 e 70 e para o ingresso do Brasil no mapa internacional.
Além do mais, Pelé dispensa placas. Há muito ele estendeu seu protagonismo ao imaginário esportivo, brasileiro, global. Está imortalizado no Maraca, na Vila, no Azteca, em qualquer chão onde o futebol e a arte se fundem para redimir as dores do mundo. A dimensão mítica do Rei transcende os gramados.
O terceiro motivo assume contornos de um apelo. Não seriam necessárias grandes doses de sensatez para imaginar contribuições legislativas mais antenadas à urgência de frear a epidemia. Acenam ao irrelevante desvios dos esforços conjuntos para conter os recordes de contaminação e mortes.
A tragédia seria pior sem a abnegação de profissionais como os do Hospital de Campanha do Maracanã, desativado há cinco meses. Fora o vírus, enfrentaram atrasos de salários e falta de insumos. Seria mais apropriado eternizar seus nomes no estádio, sem dele remover o batismo sob medida: Maracanã e Mário Filho – “o criador das multidões”, como o apelidou Nelson Rodrigues – pertencem um ao outro.
Se o governador sacramentar o desejo dos deputados, restará torcer para que futuras propostas inclinem-se ao papel social do esporte. Abracem o compromisso público de expandi-lo como vetor de saúde, cidadania, educação, inclusão.
A prática esportiva alimenta o bem-estar e previne as doenças crônicas, desde diabetes e problemas cardiorrespiratórios até câncer e gordura no fígado. Meia hora por dia de exercícios moderados reduz significativamente o risco dessas comorbidades, aponta o Colégio Americano de Medicina Esportiva.
O hábito configura-se um alicerce da saúde coletiva. Poupa vidas e gastos. Estimulá-lo, facilitá-lo, é uma obrigação constitucional do Estado. Deveria receber peso maior nas políticas do setor.
Beach tênis: uma bola da vez
O estímulo à atividade esportiva regular envolve táticas como a adaptação de regras, espaços e equipamentos a particularidades sociais, culturais, ambientais, econômicas. O exemplo mais pedagógico vem do futebol, consagrado pela facilidade adaptativa. Meia e chapinha viram bola. Chinelo vira golzinho. Assim todo mundo brinca. Na rua, no play, na areia, no recreio, na varanda.
A praia continua pródiga ao esporte adaptado. Nela desponta mais uma bola da vez: beach tênis.
Inventada pelos italianos há 30 anos, a modalidade frequenta o Rio desde o início do século. Praias cariocas acolhem craques como a campeã sul-americana Joana Cortez, ex-número 1 do mundo, e um número crescente de amadores.
A quantidade de praticantes triplicou nos últimos cinco anos. A Confederação Brasileira de Tênis contabiliza quase dois mil filiados atraídos pela versão praiana. Para o professor Roberto Meirelles, o impulso resulta da ascensão do lazer ao ar livre e da vocação democrática do beach tênis:
“É fácil aprender, praticar. Muitas vezes o iniciante já consegue jogar em duas semanas. Isso vale para criança, adulto, idoso, mulher, homem, alto, baixo. O beach tênis é muito inclusivo, e muito divertido”, destaca Meirelles, enquanto escolhe a lista de músicas que vão embalar a aula na orla da Barra.
A areia lhe renova a paixão pelo universo das raquetes e bolinhas. Nele mergulhou em 1970, aos 8 anos, levado pelo pai às quadras da AABB – Lagoa. Jogou profissionalmente até se especializar na formação de jovens tenistas. Migrou há 13 anos para o tênis de praia, promessa de dias mais descontraídos. Parece cumprida.
A descontração reflete o espírito cooperativo herdado do frescobol: o tênis de praia é disputado predominantemente em duplas mistas. Distancia-se de regras, materiais e golpes complicados. Partilha a simplicidade da brisa marítima. A brincadeira é manter a bola acima do chão e da rede de 1,70m.
Tais características o credenciam a seguir os passos do primo badminton. A peteca de raquete foi adotada com sucesso por escolas públicas de cidades do Norte e Nordeste (por exemplo, Frei Paulo, em Sergipe, e Paramirim, no Rio Grande do Norte).
“O beach tênis tem condições de ser facilmente adaptado a escolas e outros espaços da cidade”, acredita Meirelles. Nada para o qual legisladores não possam contribuir quando tirarem uma folga de projetos como arrumar outro nome ao Maracanã.
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É sempre bom, em vários sentidos, passear pela história e pelas histórias de Pelé. O recente documentário da Netflix revisita golaços, dribles e arremates geniais, os antológicos quase-gols. Um banquete imune ao tempo. Afinal de contas, “Pelé não fez a diferença, Pelé era a diferença”, arredondou Juca Kfouri, um dos bambas da crônica esportiva entrevistados pelos diretores Ben Nicolas e David Tryhorn.
O sabor genuíno do documentário encontra-se na costura dessas belezas com o confronto entre o mito e o homem. O filme depura pressões e dilemas vividos pelo jogador e pelo personagem, como as cobranças para disputar o Mundial de 70 e para se posicionar contra a ditadura. Já vale a espiada.
E nunca é demais rever as maravilhas daquele timaço tricampeão. Ficaram ainda mais lindas ao som de “Foi um rio que passou em minha vida”. Tabelinha digna de Pelé e Coutinho.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, especialista em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.