Foi admirada por sua beleza, cortou cabeças dos inimigos, comandou 300 samurais e sua luta foi celebrada em música, filmes e poesia.
Tomoe Gozen, a mais lendária mulher samurai do Japão, foi a inspiração para o batismo do primeiro sakê artesanal do Brasil.
Não à tôa…
A bela Patrícia Telló estudou feito doida, desenvolveu tecnologia, desenhou a estufa, o filtro, dominou a técnica de propagação do fungo, lutou contra a burocracia e, sobretudo, a inexistência de informações sobre como montar uma produção de sakê no Brasil, e pronto!… Foi lá e fez.
Cinco anos antes disso, a rotina da médica obstetra era sair do plantão e parar no restaurante japonês da esquina de sua casa, em Porto Alegre, para jantar. Daí a tomar gosto por sakê, aprender os estilos e se apaixonar pela bebida, foi um pulo.
Observando a produção da cervejaria Devaneio do Velhaco, no centro histórico de Porto Alegre, brotou na testa aquela ideia maluca, que mal sabia onde ia dar: “Hum, eles fazem cerveja… e se eu tentasse fazer sakê?”.
Foi a união da expertise da cervejaria em vencer barreiras da indústria de bebidas com a teimosia de Patricia e longos 5 anos de estudo, que permitiram que o sonho virasse realidade.
No Japão, o sakê é feito com arroz especial curto chamado “sakamai”, que não existe no Brasil. No nosso arroz de mesa, o amido não fica no núcleo, e sim, espalhado. Então, como fazer um sakê nacional sem conseguir polir o grão para “refinar” a bebida, já que o amido está por toda parte? Com garra.
Patrícia aproveitou sua experiência com medicina fetal para estudar os tipos de arroz brasileiros que tivessem características parecidas com as do sakamai, em parceria com a Embrapa, e se aprofundou na genética do arroz.
Assim nasceu o Tomoe, um junmai sem diluição, potente e cheio de umami, com um leve sabor defumado e muita nota de cogumelos secos. Achei muito gastronômico.
Quem está habituado a beber sakê japonês, deve entender que é outro bicho: é sakê original e selvagem, com a força de quem nasce no Brasil.
O sakê foi oferecido no Haru Sushi, de Menandro Rodrigues, como parte da celebração dos 10 anos de sua casa (e, para a nossa alegria, entra na próxima carta). Enquanto os goles desciam, observava com encantamento o balé de Catarina Gushiken, que pintava as colunas do salão. Catarina é uma artista plástica que teve seu trabalho inspirado pelos diários do seu avô, escritos em uchinaguchi (antiga língua de Okinawa, no Japão), em 1936. A partir de então, desenvolveu sua arte em torno de “caligrafias sensitivas”, que agora adornam a porta de entrada no térreo e o salão do restaurante.
E a tarde ainda foi (literalmente) embalada por um furoshiki com estampa criada por Catarina para loja Ohayou, da talentosa Susan Eiko.
Furoshiki é uma técnica japonesa de amarração de panos para embalar objetos. É mais que um jeito de amarrar: são parte do presente, do zelo em embrulhá-lo e da intenção de quem teve o trabalho – me explicou Susan, enquanto fazia lindós nós em torno da garrafa.
O furoshiki que ganhei tem como tema a expressão Ichigo Ichie (“uma vez, um encontro”), que fala da natureza única e fugaz de cada momento que vivemos na vida, como aquele, em que testemunhei o trabalho de três mulheres fortes.
Que saibamos aproveitá-los…
Saúde!