O guia Michelin e os restaurantes asiáticos
a orientalização da gastronomia brasileira
Uma amiga desabafa:
– Não aguento essa “modinha”!! Você viu que vários restaurantes que ganharam estrelas no guia Michelin são asiáticos?
Ao que respondi, claro:
– Sinto dizer, mas você está velha.
Nem todo mundo gosta de comer tanto quanto eu e você, que nos encontramos aqui nesse quadrado para falar das delícias do estômago. Para nós, fanáticos, “asiático é tão século passado, já…”, mas há quem se espante, ainda.
Não que eu seja ‘xófen’, muito pelo contrário, mas o interesse por gastronomia mantém meu olhar fresco.
Minha geração cresceu eurocêntrica.
Para além da gastronomia dos nossos colonizadores, a nossos avós ainda viram cardápios escritos inteiramente em francês – a referência gastronômica da época – e falavam “saumon” e “restaurant” caprichando no acento. Para quem podia viajar, os principais destinos de sonho eram Paris ou Roma. Daí chamarmos de cozinha afetiva um “spaghetti al pomodoro” ou bolonhesa, um bife com fritas, uma canja…
Mas a Ásia – e minha amiga não notou – já faz parte de nossa mesa, há tempos. Não o que se convencionou chamar de “restaurante asiático”, que é tão somente a Ásia sínica e japônica (uma baita injustiça com um continente tão diverso), mas a Ásia libanesa, síria ou armena, com suas coalhadas, tabules, falafels, homus ou pães sírios estão há muito em nosso dia a dia. Sem falar, obviamente, dos curries indianos, que nunca saíram de moda. Isso tudo é a Ásia que alguns restaurantes parecem esquecer. Por ora.
E falando da Ásia japônica, pouca gente sabe que o primeiro restaurante japonês do Brasil “aconteceu” em São Conrado, em 1939. Então “moda” não é.
O que chamamos de “moda” na gastronomia não é questão de originalidade, somente; é também um reflexo de poderio econômico. E países poderosos são grandes exportadores de tendências, não só para o Brasil. O guia Michelin não tem um viés asiático; apenas reconhece um fato. Com o absurdo crescimento da China, ainda vamos juntar muitas receitas sínicas ao nosso caderninho. E, é claro que, o que seus filhos chamarão de “comfort food” pode ser um lámen e não um spaghetti al pomodoro. A bússola afetiva mudou.
Faz tempo que o sashimi tomou o pódio do carpaccio ou tartare, as algas andam mais presentes que as folhas, que o ponzu é o novo vinagre balsâmico, que o bao é o novo pão de hambúrguer, e tempurá é o novo pastel. E não, não é “modinha de asiático”. O único fator que limita a cópia de receitas de fora é a disponibilidade de ingredientes. Sempre foi assim e acho tudo muito interessante.
Alguns especialistas projetam um crescimento notável para a Indonésia, Turquia e Egito. Vou pegar a pipoca e esperar um koshari (arroz com lentinha e macarrão egípcio) virar o novo lámen. Já temos todos os ingredientes aqui, mas espere um pouco, que a gente gosta mesmo é de pertencer a time que está ganhando…
Aliás, o Brasil também está na lista de grandes economias do futuro. Só falta a gente olhar para o umbigo e descobrir que o ouro de amanhã pode estar enterrado bem aqui no nosso quintal.
Resta saber se não teremos esquecido tudo que somos.